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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Especialistas apontam necessidade de ações de prevenção para enfrentar violência entre mulheres jovens



22.05.2015


Da Agência Patrícia Galvão

Ações educativas nas comunidades e escolas, atenção à proliferação de atos violentos nas mídias sociais, na propaganda e na internet, e desconstrução de estereótipos de gênero que ditam padrões de feminilidade e masculinidade são caminhos apontados por especialistas no I Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres, realizado pelos Institutos Patrícia Galvão e Vladimir Herzog em São Paulo, no eixo de debate sobre juventude e a cultura de violência contra as mulheres, na quarta-feira (20/05)

A palestrante Marai Larasi, ativista em mídia, juventude, gênero e violência há 20 anos e diretora executiva da Imkaan, abriu o debate nesta sessão do seminário. A Imkaan é uma organização não governamental feminista negra sediada no Reino Unido. “A violência contra as mulheres tem causa na violência de gênero. E para muitas mulheres e meninas a violência é a norma”, disse.

Marai ressaltou também a intersecção entre violência de gênero, racismo, descriminação de pessoas com deficiência e a homofobia. A especialista lembrou como essa cultura carrega em si o impacto da colonização de povos inteiros sobre o comportamento dos homens, ao colocar a agressividade como algo aceitável e necessário.

Estereótipos de gênero – No Painel Elementos para uma cultura de não violência contra as mulheres entre jovens, a antropóloga Maria Luiza Heiborn, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do CLAM, explicou que o comportamento violento de vários homens é sustentado pelo conceito de masculinidade hegemônica, calcado no controle e exercício da força sobre a mulher. “O homem tem que ser machão, viril, o que age de forma diferente, não tem o comportamento esperado pelos outros, é feminilizado e diminuído”.

Ao mesmo tempo, também existe uma pressão social contra as mulheres. “As meninas são incitadas a se hipersexualizarem para chegarem a uma feminilidade hegemônica”.

Professor da Universidade de Brown e pesquisador sobre masculinidades do Colégio de México, o painelista Matthew Gutmann elencou exemplos de modelos sociais que permitem a perpetuação dessa masculinidade hegemônica, como o discurso que homens são assim “naturalmente” agressivos; o discurso midiático e o senso comum de que o homem deve ter o maior número de relacionamentos possível. “Devemos entender que não se trata de uma “questão biológica”, do íntimo animal, que faz com que homens hajam desta maneira. Eles agem assim por questões culturais impostas na criação e na sociedade”, salienta.

Heiborn lembrou que um dos ritos que reafirmam essa concepção de masculinidade é a iniciação sexual, amplamente divulgada pelo rapaz, e por vezes também seus familiares, entre todos os conhecidos para provar a masculinidade e a superioridade sobre o feminino. “Essa ideia de controlar é o que constitui o cerne da questão da violência no Brasil. A necessidade de exercer esse controle moral e sexual sobre a vida da mulher e da menina é o que leva o jovem a divulgar fotos íntimas da ex-companheira ou colega, ou difamá-la nas redes sociais porque ela quis terminar o relacionamento ou não quis iniciar um”.

Novas formas de perpetuação da violência – A divulgação de imagens pelas redes sociais é uma das novas formas de violência a qual a sociedade precisa estar atenta, aponta Marai Larasi.“É fundamental entender o inimigo, que hoje com a tecnologia está um pouco diferente”.

Para a especialista é fundamental pensar no espaço virtual como uma nova rua ou casa, e no que pode ser feito para proteger as meninas e adolescentes que sofrem essas agressões. “Não temos educação para as pessoas se comportarem no ambiente virtual. Temos uma área cinzenta e temos que conversar sobre isso”. Ela falou também sobre o fato da rede virtual facilitar a desumanização do outro. “É preciso desumanizar a pessoa para agredi-la e a internet permite que se faça isso de diferentes formas”.

Além da internet, Maria Luiza Heiborn lembrou como o sexismo também está presente na publicidade brasileira, especialmente nas propagandas de cerveja e automóveis, que vendem, respectivamente, os corpos de mulheres e a ideia de agressividade dos homens no trânsito como exemplo de virilidade.

No Reino Unido, Marai conta que são frequentes mensagens propagadas com o intuito de destruir a noção de consentimento, dizendo aos homens que eles têm o direito de violentar mulheres, além de promover o consumo de pornografia, como o caso de um game no qual os jogadores podem roubar, agredir e assassinar prostitutas, e músicas que incentivam o estupro e a objetificação das mulheres, como Blurred lines, de Pharrell Williams, e Drinking from the bottle, de Calvin Harris.

Reflexo da Cultura de violência – No último ano, uma série de denúncias de casos de estupro, abusos sexuais e trotes violentos contra negros e homossexuais na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo vieram à tona, trazendo a necessidade de um amplo debate sobre violência de gênero, racismo, machismo e homofobia para desconstruir uma prática institucionalizada.

“A USP costumava abafar casos de estupro e violência. Hoje esses casos são de conhecimento publico porque as vítimas têm mais voz para denunciar, mais apoio, apesar de algumas ainda preferirem não levar o caso à justiça por conta da culpabilização e vergonha. Houve mudança de sensibilidade geracional, mudança de linguagem em como esses casos são abordados”, relatou a antropóloga da Universidade de São Paulo, a painelista Heloísa Buarque de Almeida, que integra a rede de apoio às alunas e alunos vítimas de violência sexual e de gênero nos campi da instituição, batizada “Quem cala consente?”.

A professora lembra que a cultura do trote presente na Universidade reflete os padrões reproduzidos na sociedade brasileira, o que aponta urgência de modelos educativos, campanhas e debates sobre o que significa a noção de consentimento.

“Muitos abusos acontecem com meninas embriagadas e que não têm como reagir. E muitos problemas aparecem pela dificuldade dos rapazes de entender a noção de consentimento. Pela masculinidade generalizada eles se sentem no direito de abusar das meninas e várias delas se viam como culpadas”, destaca Heloísa.

Boas práticas e contracultura – Para reverter o cenário da violência, Marai Larasi lembrou projetos que formaram jovens mulheres para que pudessem lutar pelos próprios direitos e espalhar informações para outros jovens, uma estratégia que tem se mostrado efetiva. E alertou também para a necessidade de pensar sempre nos diferentes tipos de lares e contextos em que essas jovens vivem, para traçar diversas formas de comunicação que respeitem as múltiplas realidades sociais.

“É fundamental pensarmos em prevenção nas comunidades e escolas. Os pais devem pensar em como falar da questão de gênero com os filhos. É preciso que todos dentro da escola pensem no que é essa violência”, ressalta. “Violência contra mulheres e meninas não é algo inevitável. Temos que parar de agir como se fosse um comportamento normal da sociedade”, finaliza.