Feminista brasileira é reconhecida com prêmio internacional por vida dedicada à igualdade
16.11.2024
Sonia Corrêa recebeu o Prêmio do Orgulho Internacional na categoria “Vida dedicada à igualdade”. A comenda é concedida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em conjunto com a ILGA World, uma organização não-governamental que defende os direitos das pessoas lésbicas, bissexuais, gays, trans e intersexo (LGBTQI+)
Anunciado em novembro (13), Prêmio do Orgulho Internacional concedido a Sonia Corrêa reconhece cinquenta anos dedicados ao trabalho em defesa dos direitos humanos das mulheres e das pessoas LGBTQI+.
Relembrando esse percurso, Sonia conta que a sua primeira inspiração para promover a igualdade de gênero esteve associada aos esforços pela redemocratização no Brasil, na década de 1960. “Nós estávamos tanto reivindicando liberdades que nós não tínhamos, como jovens, em relação a questões de gênero e sexualidade, mas também estávamos nas ruas, mobilizadas contra o autoritarismo”, diz.
A “Era das Conferências”
Nos anos de 1990, as Nações Unidas foram o palco de uma série de negociações que deram origem às principais agendas e compromissos internacionais em questões de gênero e sexualidade.
Isso incluiu a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo (1994), e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim (1995).
Esses processos foram parte de um contexto mais amplo, que ficou conhecido como a “Era das Conferências”, iniciada com a ECO-92, no Rio de Janeiro.
Também integrou esse ciclo a II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena (1993), que reconheceu que os direitos das mulheres e meninas são direitos humanos.
O período culmina com a III Conferência Mundial sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e formas correlatas de Intolerância, em Durban (2001).
Cairo e Pequim foram especialmente relevantes por terem definido balizas fundamentais dos direitos humanos das mulheres e da igualdade de gênero, a partir do consenso entre os Estados.
Em ambas as conferências, Sônia Corrêa integrou o grupo da sociedade civil brasileira, estando especialmente envolvida nas agendas sobre direitos e saúde sexual e reprodutiva.
Direitos humanos da população LGBTQI+
Em 2006, ela co-presidiu o Comitê de Especialistas que elaborou os Princípios de Yogyakarta. O documento estabelece parâmetros de direitos humanos em matérias de orientação sexual e identidade de gênero. Em 2016, os Princípios de Yogyakarta foram revistos e atualizados para contemplar questões sobre características sexuais e expressão de gênero (Yogyakarta+10).
“Os Princípios de Yogyakarta abriram o terreno para as questões de identidade de gênero e sexualidade serem consistentemente incorporadas nos enquadramentos normativos e epistemologias do direito internacional dos direitos humanos”, explica.
Isso transformou o modo como o direito internacional dos direitos humanos é interpretado e aplicado, de modo a aprofundar os princípios da universalidade, indivisibilidade, interdependência e interrelação, estabelecidos pelos Estados membros das Nações Unidas na Conferência de Viena de 1993, com relação às questões e desafios enfrentados pelas pessoas LGBTQI+.
Em 2016, os Países membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU criaram o mandato do Especialista Independente sobre a proteção contra Violência e Discriminação com base em Orientação Sexual e Identidade de Gênero (IE SOGI), por meio da resolução 32/2.
Atualmente, Sonia Corrêa compartilha há duas décadas a liderança do Observatório de Sexualidade e Política, pesquisando e atuando sobre questões de gênero, sexualidade, direitos humanos e democracia.
A igualdade a serviço da justiça – e da felicidade
A ativista feminista destaca dois momentos em que os resultados transformadores do seu trabalho como defensora de direitos humanos, frequentemente invisíveis pela própria natureza dos processos políticos, finalmente emergem.
O primeiro é quando há o reconhecimento e a apropriação de parâmetros como os de Yogyakarta por especialistas, instituições e órgãos de direitos humanos, nos casos concretos em que situações específicas de violações estão sendo discutidas. Nesses casos, o seu impacto se materializa na forma de acesso à justiça para as pessoas e populações alvo de discriminação.
O segundo seria quando pode testemunhar em primeira mão as consequências do poder da palavra escrita. Aqui, os resultados se revelam encarnados nas pessoas que leram um texto seu e relatam que, de algum modo, isso transformou a sua visão de mundo. “Isso é incrivelmente emocionante, ao ponto de quase me fazer chorar, cada vez que penso nisso. É como uma mensagem na garrafa, lançada ao mar, que encontra o seu caminho de volta no oceano”, compara.
Para a recipiente do Prêmio do Orgulho Internacional, a igualdade é o caminho necessário para sociedades mais justas, mas não só: também para vivermos mais felizes em um mundo marcado pela complexidade.
“Nós não devemos lutar pela igualdade porque é algo ideológico, ou porque seja um pilar fundamental da justiça. Claro, é também tudo isso. Mas também porque é um caminho para que todas as pessoas sejam mais felizes e alegres vivendo em sociedades complexas. Todo mundo seria mais feliz e mais alegre em um mundo mais igual”, diz.
Pequim+30: revisão de 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim
Em 2025, a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim completam 30 anos, ensejando uma revisão periódica de sua implementação na 69ª sessão da Comissão sobre o Status da Mulher (CSW69), em Nova York.
Apesar dos avanços normativos na agenda global de gênero e direitos humanos conquistados nas últimas décadas, muitos desafios persistem para alcançar a igualdade de gênero na prática.
Com relação às pessoas LGBTQI+, em sua mais recente revisão sobre o Brasil, em maio de 2024, o Comitê da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), expressou sua preocupação com:
“O alto nível de violência com base em gênero, incluindo assassinatos, contra lésbicas, bissexuais, mulheres trans e intersexo, particularmente as afrodescendentes, a estigmatização e falta de proteção estendida a pessoas trans e gênero-diversas e o fato de que o Estado-parte tem o mais elevado índice de homicídios de pessoas trans e gênero-diversas globalmente e baixos índices de processamento e julgamento desses casos” (CEDAW/C/BRA/CO/8-9, para. 22, “e”).
Na CSW69, os Estados membros das Nações Unidas terão a oportunidade de avaliar os avanços e obstáculos para o cumprimento dos objetivos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim.
O resultado da revisão expressa o consenso dos Estados com relação às questões críticas e prioridades para a igualdade de gênero nos próximos cinco anos – que coincidem com o termo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Livres & Iguais
Em 2015, 12 agências, fundos e programas das Nações Unidas (OIT, ACNUDH, UNAIDS, PNUD, UNESCO, UNFPA, ACNUR, UNICEF, UNODC, ONU Mulheres, PMA e OMS) publicaram um posicionamento conjunto pelo fim da violência e discriminação contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo.
O posicionamento convoca os Estados a fazer mais para acabar com a violência homofóbica e transfóbica, a discriminação e os abusos contra pessoas intersexo; também expressa o compromisso das Nações Unidas, por parte de diferentes entidades, em apoiar os Estados na realização desses objetivos.
“Cada ataque contra pessoas LGBTQI+ é um ataque contra os direitos humanos e valores que mais prezamos. Nós não podemos e não iremos retroceder” – António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, 17 de Maio de 2023
Desde 2013, a ONU implementa a iniciativa global “Livres & Iguais”, uma campanha pela igualdade de direitos da população LGBTQI+.
A Livres & Iguais é parte do portfolio de atuação das Nações Unidas no Brasil desde 2014, constando entre as mais longevas e ativas versões nacionais desse projeto global pela igualdade de direitos e fim da discriminação.
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