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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Em Roraima e com o apoio da ONU Mulheres, Fenatrad reforça direitos de trabalhadoras refugiadas e migrantes



11.09.2023


Por meio do Programa Conjunto Moverse, delegação da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas esteve em Boa Vista durante o mês de agosto para reuniões com lideranças locais, apoio à organização de associação estadual e realização de seminário

Em Roraima e com o apoio da ONU Mulheres, Fenatrad reforça direitos de trabalhadoras refugiadas e migrantes/

Dirigentes da Fenatrad realizaram rodas de conversa com trabalhadoras domésticas brasileiras e venezuelanas em Boa Vista (Fotos: ONU Mulheres Brasil / Paola Bello)

Uma delegação da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) esteve em Boa Vista (RR) na primeira semana de agosto para levar informação a profissionais do setor e para apoiar a organização da associação local de trabalhadoras. As atividades aconteceram em parceria com a Associação das Trabalhadoras Domésticas de Roraima e contaram com apoio da ONU Mulheres, a partir do Programa Conjunto Moverse, voltado para o empoderamento econômico de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil.

As atividades buscaram alcançar não apenas trabalhadoras brasileiras, mas também refugiadas e migrantes, em especial venezuelanas – grande parte vivendo em situação de vulnerabilidade no estado. Durante a semana de atividades, foram realizadas reuniões e rodas de conversa com lideranças comunitárias e mulheres que atuam pela pauta da igualdade racial e de gênero. Também foi promovida panfletagem no terminal de ônibus e mobilização pelas ruas da cidade, por meio de carro de som.

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Lideranças comunitárias e de movimentos pelos direitos das mulheres estiveram reunidas para falar sobre os desafios para trabalhadoras domésticas em Roraima (Fotos: ONU Mulheres Brasil / Paola Bello)

De acordo com Vanessa Sampaio, gerente da área de Empoderamento Econômico na ONU Mulheres, a missão faz parte de uma parceria história entre a entidade e a Fenatrad pela promoção dos direitos das trabalhadoras domésticas. “A ONU Mulheres e a Fenatrad têm trabalhado há bastante tempo para fortalecer o movimento das mulheres, das trabalhadoras domésticas, o acesso a direitos e benefícios de todas as mulheres no Brasil que trabalham nessa categoria. Nesse momento, recebemos a Fenatrad em Boa Vista pra fortalecer também o direito das mulheres refugiadas e migrantes”, afirma.

“Existe um fluxo muito grande de mulheres refugiadas e migrantes venezuelanas que chegam ao país buscando acesso a oportunidade de emprego e integração socioeconômica, e muitas delas enxergam no trabalho doméstico essa oportunidade. Porém, assim como as mulheres brasileiras, muitas vezes essas trabalhadoras têm os seus direitos violados, não tem o acesso aos seus direitos garantidos, e muitas não sabem sequer que têm os mesmos direitos que as mulheres brasileiras”, completa Vanessa.

Ainda de acordo com Vanessa, o trabalho doméstico é um dos maiores exemplos do chamado trabalho de cuidado, denominação dada às atividades realizadas, de forma remunerada ou não, para a manutenção do bem-estar e da vida de todas as pessoas. Apoiar a Fenatrad no processo de organização e fortalecimento da categoria das trabalhadoras domésticas em Roraima contribui, assim, para o fortalecimento dos direitos dessas mulheres, agindo na direção dos chamados 5R’s do trabalho de cuidado que compreendem, entre outros aspectos, recompensar de maneira justa as trabalhadoras por meio da construção de garantias para o trabalho decente e proteção para profissionais migrantes, além de garantir a representação social dessas profissionais, incentivando o diálogo e a negociação coletiva.

Desconhecimento sobre direitos – Eunice é uma das mulheres que encontrou no trabalho doméstico uma forma de conseguir manter a família no Brasil. Hoje com 49 anos e em tratamento de saúde, ela conta que não trabalha mais como trabalhadora doméstica, mas que exerceu a profissão durante os quatro primeiros anos que chegou ao Brasil.

“Consegui esse emprego depois de 15 dias que havia chegado ao Brasil, e tive muita sorte com essa família”, lembra. Ela conta que ela e os filhos foram acolhidos no local de trabalho e que, quando precisou parar de trabalhar, o antigo patrão lhe presenteou com um terreno, onde construiu a casa onde vive atualmente.

“Mas nem todas têm a mesma sorte. Ouvi experiências de muitas mulheres que são exploradas, mas não foi o meu caso. É difícil, não te pagam um salário justo, colocam para trabalhar muitas horas, mas elas fazem por conta da necessidade”, afirma. “Há pessoas que abusam, que sabem que a pessoa está vulnerável, quem sabe não têm as ferramentas para se defender em outro ramo, e pagam qualquer coisa, aceitam qualquer salário. Mas somos humanas, estamos trabalhando, tentamos fazer o melhor, dar o melhor de nós, e necessitamos dos mesmos direitos que as brasileiras”, ressalta.

Em Roraima e com o apoio da ONU Mulheres, Fenatrad reforça direitos de trabalhadoras refugiadas e migrantes/

Por quatro anos, a venezuelana Eunice (de óculos na foto) foi trabalhadora doméstica sem carteira assinada (Fotos: ONU Mulheres Brasil / Paola Bello)

Embora Eunice relate ter tido uma boa experiência, ela também afirma que nunca teve a carteira assinada – situação que reflete em restrições no acesso a uma série de direitos. De acordo com as dirigentes da Fenatrad, é bastante comum que a trabalhadora que desconhece seus direitos confunda favor com trabalho, assim como é recorrente o discurso de que “ela faz parte da família”, mesmo quando o tratamento é bastante distinto – a começar pela não inclusão da trabalhadora na divisão da herança e na diferença do acesso a oportunidades de educação e estudo para os filhos, por exemplo. No caso das trabalhadoras domésticas que não são nascidas no Brasil, há ainda a falsa ideia de que os direitos que possuem sejam diferentes dos garantidos às brasileiras.

“Alguns empregadores dizem que a trabalhadora migrante não tem direitos, mas isso é mentira. A trabalhadora migrante tem direitos, assim como a trabalhadora brasileira. O trabalho dela tem valor e ela tem os direitos dela garantidos no Brasil”, alerta Cleide Silva Pereira Pinto, secretária de atas da Fenatrad, que participou da missão a Roraima. “Quando você não tem um sindicato ou uma associação que ajude você contra a exploração, principalmente a nossa categoria fica perdida e aceita qualquer coisa, trabalha por qualquer dinheiro. A nossa intenção é mostrar às trabalhadoras os seus direitos, empoderá-las para que elas saibam negociar o seu salário, o seu trabalho.”

Organização e conquistas – Antes de chegar em Boa Vista, as dirigentes da Fenatrad afirmam ter realizado um levantamento que mostrou a existência de um sindicato de trabalhadoras domésticas no estado, mas que está inativo. Foi nessa pesquisa e por meio de trocas de mensagens por redes sociais que tiveram contato com a Associação de Trabalhadoras Domésticas de Roraima, fundada por Maria Francisca Gomes da Silva. Foi dessa aproximação que a ideia da missão amadureceu, tanto para levar mais conhecimento sobre direitos e sobre como atua uma organização de classe, quanto para fortalecer as próprias trabalhadoras organizadas.

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Maria Francisca Gomes da Silva, presidenta da Associação das Trabalhadoras Domésticas de Roraima, comemora a aproximação da Fenatrad (Foto: ONU Mulheres Brasil / Paola Bello)

“O papel principal do sindicato e da associação é lutar pelos direitos e pelo bem-estar da categoria. É para lutar não só pelos direitos trabalhistas e previdenciários, mas também pelos direitos das mulheres, a moradia, a saúde”, explica Chirlene dos Santos Brito, diretora de formação sindical na Fenatrad. “É importante a nossa vinda pra Roraima pra gente mostrar para a sociedade daqui e para as próprias trabalhadoras daqui a importância de estarmos organizadas. Juntas, nossa voz ecoa mais longe na luta pela garantia dos nossos direitos, para que, de fato, eles sejam efetivados e respeitados. Nosso desafio é conscientizar as trabalhadoras domésticas que elas são trabalhadoras, sim, que o trabalho delas tem valor, que elas têm direitos, que elas valorizem seu trabalho, que elas se organizem se filiando a uma associação, a um sindicato que as represente.”

Para a presidente da associação, Maria Francisca Gomes da Silva, a ida da Fenatrad a Roraima foi fundamental para ampliar o conhecimento sobre os direitos e sobre a importância de se pensar em ter uma área que olhe mais atentamente para as trabalhadoras refugiadas e migrantes. “Elas fazem o mesmo trabalho que a gente, mas ganham muito menos. Precisamos rever essa situação, assim como carteira de trabalho, jornada de trabalho. É um trabalho digno e muito honesto”, destaca. “A Fenatrad mostra que nós não estamos sozinhas. Estou muito animada com esse trabalho conjunto.”

Ação e visibilidade – Um dos primeiros frutos dessa organização foi visto durante a missão. No dia 6 de agosto, a Fenatrad e a Associação de Trabalhadoras Domésticas de Roraima, em parceria com Escola Superior da Defensoria Pública do Estado de Roraima e o apoio da ONU Mulheres por meio do Programa Conjunto Moverse, realizaram o Primeiro Encontro de Trabalhadoras Domésticas de Roraima. O seminário foi aberto ao público e contou com a presença de cerca de 100 pessoas, entre trabalhadoras domésticas e representantes do poder público em níveis estadual e federal – representando Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal, Ministério Público Federal de Roraima e Universidade Federal de Roraima.

Na programação do seminário estiveram debates sobre os direitos das trabalhadoras domésticas, inclusive refugiadas e migrantes no Brasil; as leis que existem para reconhecer e proteger a profissão; propostas de políticas públicas voltadas para a categoria em Roraima; e esclarecimentos de dúvidas com a Defensoria Pública. Ao final, as trabalhadoras e os movimentos sociais presentes dialogaram com autoridades locais para apresentar suas demandas e buscar comprometimento e soluções para atendê-las.

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Grupo de trabalhadoras domésticas brasileiras e venezuelanas debateram com autoridades brasileiras durante encontro (Foto: ONU Mulheres Brasil / Paola Bello)

“Esse tipo de encontro é imprescindível para trazer informações sobre os direitos e os deveres que temos como mulheres migrantes”, declarou Berenice, que participou do encontro como porta-voz das trabalhadoras domésticas venezuelanas. “Apesar estar no Brasil há seis anos, faz pouco tempo que tive conhecimento, através desse tipo de encontro, sobre meus direitos tanto como trabalhadora doméstica como mulher integrada a este país”, completa.

Para Cleide, da Fenatrad, o primeiro passo, da mobilização, já foi dado. Agora, ele deve ser seguido pela informação e conscientização sobre os direitos da categoria. “A nossa categoria sempre foi escravizada, 90% da nossa classe é de mulheres negras e pobres, então acham que a gente ainda está na época da senzala e da casa grande, que a gente tem obrigação de fazer o trabalho. A gente tem o trabalho de trabalhadora doméstica. Nos 80 anos de trabalho da Fenatrad, a gente sabe o que é nossos direitos, por isso a importância de nos unirmos entre nós e com organizações parceiras”, completa.

“Nesse ano, completamos meio século da lei da carteira assinada e 10 anos da PEC das domésticas. E a gente se pergunta o que mudou. A gente ainda tem muito a lutar pela equiparação desses direitos quando comparadas com outras categorias de trabalhadoras”, complementa Chirlene. “Conquistamos ao longo desses anos alguns direitos, como jornada de trabalho, FGTS, seguro desemprego, mas ainda falta a valorização e o reconhecimento do trabalho doméstico remunerado. Nesse sentido, a gente se coloca nessa luta pela equiparação e igualdade de direitos.”

Confira no vídeo a seguir um pouco mais sobre as ações da Fenatrad em Roraima:

Sobre o Moverse – O Moverse é uma iniciativa implementada pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo. Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto MOVERSE – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil tem como objetivo geral garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda diretamente mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero. Para receber informações sobre o Moverse, inscreva-se na newsletter em http://eepurl.com/hWgjiL