Moradoras de ilhas de Belém (PA) são ouvidas para construção de políticas de cuidado a nível municipal e federal

22.11.2023

Mulheres que vivem nas regiões das ilhas de Outeiro, Combu e Mosqueiro compartilharam suas necessidades de cuidado em ação articulada pela ONU Mulheres e o MDS

A vida rodeada por rios é cercada também por muitos desafios. Assim como nos grandes centros urbanos, a reprodução e manutenção da vida nas comunidades da região das ilhas da cidade de Belém (PA) é sustentada pelo trabalho de cuidado exercido pelas mulheres, que, em um contexto insular, assumem jornadas ainda mais extenuantes e contam com muito menos estrutura ou opções para dividir a responsabilidade por esse trabalho. Nos dias 16 e 17 de novembro, um grupo de moradoras das ilhas de Outeiro, Combu e Mosqueiro dialogaram sobre suas necessidades e prioridades de cuidado a partir de uma articulação entre o projeto Ver-o-Cuidado e a Secretaria Nacional de Cuidados e Família (SNCF), do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). A escuta das mulheres das ilhas de Belém contribui para dois importantes processos em construção atualmente: A construção da Política Nacional de Cuidados, liderado pelo MDS e pelo Ministério das Mulheres por meio de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que envolve outros 20 órgãos do governo federal e conta com o apoio técnico da ONU Mulheres, e para a elaboração de um Sistema Municipal de Cuidados na capital paraense, principal objetivo do projeto Ver-o-Cuidado, implementado em parceria pela ONU Mulheres e a Prefeitura de Belém, com apoio da Open Society Foudations Esta foi a primeira vez que o grupo de trabalho que realiza as escutas para a construção da Política Nacional de Cuidados saiu de Brasília (DF) para ouvir as mulheres no território onde vivem. “Foi essencial estarmos em Belém para ouvir o que as mulheres das ilhas pensam sobre cuidado e o que elas entendem que é necessário incorporar na Política dentro do contexto da realidade delas. Foi muito importante ouvir as questões levantadas por elas, até as que não necessariamente estão ligadas ao cuidado, mas que são essenciais para que elas possam se cuidar e cuidar de outras pessoas. Questões setoriais como transporte, educação básica que se forem acessadas devidamente contribuem para o acesso ao cuidado dessas famílias”, conta a Chefe de Projeto da SNCF, Juliana Sampaio.

Diversidade de territórios – O município de Belém conta com mais de 40 ilhas, com múltiplas dimensões e diferentes estruturas, o que reflete também na maneira como os cuidados são demandados e ofertados dentro de cada contexto. E ainda que sejam territórios de ilha, Outeiro, Combu e Mosqueiro apresentam estruturas e necessidades diferentes entre si, dado o contexto de suas organizações. Escutar as mulheres de cada um desses locais contribui para a compreensão da diversidade de uma realidade envolta pelas águas, fornecendo subsídios para o desenho de uma política que alcance as diferentes particularidades sob as perspectivas locais e federais. “Sabemos que realizar cuidados para as pessoas que vivem no centro da cidade é diferente para quem vive em uma ilha. O acesso a serviços e a políticas públicas não ocorre da mesma forma. Nós nunca vamos conseguir atingir a igualdade na construção de uma política que valorize esse trabalho de cuidado se nós não escutarmos as diferenças que as mulheres passam pela sua raça, pela sua etnia, pelo seu território e todas as outras interseções que impactam a realidade dessas mulheres. Nessas conversas pudemos escutar as diferentes vivências dessas mulheres”, explica a gerente de projetos da ONU Mulheres, Virgínia Gontijo. Em março deste ano o projeto Ver-o-Cuidado já havia realizado uma ação de serviços e orientação na Ilha de Cotijuba, momento em que as moradoras também puderam apresentar suas prioridades, além de receberem orientações de saúde, sociais e jurídicas.

Necessidades – Durante os diálogos, cerca de 40 mulheres das três ilhas foram convidadas a refletir quais são as políticas e serviços de cuidado que entendem ser fundamentais para a realidade de suas comunidades. Questões como acesso a saúde, transporte, emprego formal, cuidado com pessoas com deficiência, idosas e crianças e oportunidades de educação foram alguns dos temas presentes em todas as conversas. Nos depoimentos, as moradoras das ilhas dividiram detalhes de suas rotinas, dos enfrentamentos vivenciados para a realização de tarefas que deveriam ser consideradas simples, como a ida a um mercado, até aspectos profundos sobre como o trabalho de cuidado impacta na ocupação de melhores oportunidades de estudo e trabalho remunerado. Na Ilha de Mosqueiro, a maior em território entre as três ilhas visitadas, o relato de Germina Brito evidenciou a necessidade de um olhar atento pela diversidade de realidades das famílias. Mãe de duas meninas com deficiência, ela compartilhou a jornada que enfrenta para procedimentos de saúde. “Mês passado pediram que uma delas fizesse um raio-x da coluna e nos encaminharam para Belém, mas o horário do exame era muito cedo. Como aqui temos dificuldade com transporte, eu precisei ir para Belém no dia anterior, para dormir na casa de algum conhecido e conseguir chegar no horário do atendimento. Além disso, ainda tenho que pedir para que alguém cuide da filha que fica aqui”, revela.

Conforme as conversas avançavam, mais pontos em comum eram percebidos entre as mulheres. Em vários momentos, nas diferentes rodas, as participantes concordavam que a sobrecarga vivenciada por elas era reflexo da maneira como aprenderam a cuidar e que, muitas delas, sem perceber, acabavam projetando a mesma postura em suas famílias, e assim tomavam a frente da maior parte das atividades de cuidado.

“A cabeça vai se formando dependendo da criação, né? Então, pra mim, tem que ter uma política que comece por esse lado. Isso é muito importante. A gente cobra que é sobrecarregada, que faz para o marido, que faz para o filho, mas na verdade é a gente que cria. Às vezes a gente não tem essa orientação, vai aprendendo com a vida. Eu aprendi com a vida. Fui criada com muitas coisas que hoje em dia eu vejo de outra forma”, afirma Rosineide Anunciação, moradora da Ilha do Combu. Ver-o-Cuidado – O projeto Ver-o-Cuidado é uma parceria entre ONU Mulheres, Prefeitura de Belém (PA) e Fundação Papa João XIII (Funpapa), com apoio da Open Society Foundations, que tem por objetivo estabelecer um piloto de Sistema Municipal de Cuidados no município. Iniciado em maio de 2022, o projeto é desenvolvido em duas frentes. A primeira tem como foco o apoio à gestão municipal e às instituições públicas na elaboração e implementação desse sistema de cuidado. Paralelamente a essa construção, as atividades também alcançarão as trabalhadoras do cuidado, remuneradas ou não, atuando no desenvolvimento de suas capacidades nos aspectos pessoais e profissionais, para que acessem trabalho decente e autonomia econômica. A iniciativa é conduzida por um comitê gestor do qual fazem parte 12 organizações: Fundação Papa João XXIII (Funpapa), Secretaria Municipal de Administração da Prefeitura de Belém (Semad), Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec), Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), Banco do Povo de Belém, Coordenadoria da Mulher de Belém (Combel), Coordenadoria Antirracista (Coant), Coordenação das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Copsan), Coordenadoria da Diversidade Sexual (CDS), Coordenadoria de Comunicação Social de Belém (Comus), Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Município de Belém (Iasb) e ONU Mulheres.