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Brasil

“Queríamos fortalecer as vozes das mulheres negras em todas as regiões e posicionar tudo o que afeta a vida das mulheres e meninas negras”, diz Valdecir Nascimento sobre o Dia da Mulher Afro-latinoamericana, Afro-caribenha e da Diáspora



23.07.2021


Integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, que colabora com a ONU Mulheres Brasil na resposta aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e à Década Internacional de Afrodescendentes, ela resgata histórico de fundação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e desafios de articulação política na região

 

No dia 25 de julho é comemorado o Dia da Mulher Afro-latinoamericana, Afro-caribenha e da Diáspora. A origem deste dia de luta por direitos é o I Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afrocaribenhas, na República Dominicana, em 1992. A data foi instituída para dar visibilidade à luta das mulheres negras contra o racismo, o machismo e outras formas de opressão. No mesmo encontro foi criada a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, que conta com a participação de Valdecir Nascimento, que esteve no encontro da República Dominicana, como coordenadora representante do Brasil. Valdecir é uma ativista da Bahia, coordenadora executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra, integrante do Comitê Diretor da Articulação de ONGs Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e uma parceira do projeto Conectando Mulheres, Defendendo Direitos, uma iniciativa da ONU Mulheres apoiada pela União Europeia. Ela integra o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, da ONU Mulheres, para fazer avançar a resposta no Brasil dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Década Internacional de Afrodescendentes, duas agendas internacionais das Nações Unidas. Nesta entrevista, ela fala sobre a criação da Rede, conquistas e desafios para as mulheres negras da região 

 

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Qual a prioridade da atuação da rede no Brasil?  
Um dos nossos objetivos é ampliar a filiação de novas organizações do Brasil na rede. É um país de dimensões continentais, não pode a AMNB [ Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras ] a única filiada ou que fale por mais organizações. É preciso que a participação do Brasil na Rede reflita a realidade brasileira. Ou seja, fazer a Rede ser conhecida, agregar novas organizações. Por sinal, em nome dos 30 anos, devemos começar, no final de ano, um processo de mobilização, filiação e formação de novas organizações na rede. O segundo aspecto é cumprir o papel para o qual a Rede surgiu: afinar e conectar os diálogos entre América Latina, Caribe e Diáspora, para a reflexão de quais são as situações, especificidades e similaridades das experiências das mulheres negras para que a gente possa pensar estratégias de incidência que possam reduzir desigualdades, enfrentar as opressões, o racismo, o sexismo e a homolesbotransfobia. Não podemos perder de vista que quando fomos à República Dominicana e a Rede surge, em 1992, nós queríamos fortalecer as vozes das mulheres negras em todas as regiões e se posicionar a nível mundial em relação a tudo que afeta a vida das mulheres e meninas negras. Portanto, o outro aspecto fundante da participação ativa do Brasil na Rede é que a gente possa transformar nossa luta em uma luta internacional. Então, uma das grandes perspectivas para fortalecer a Rede é criar conexões para que tenhamos reinvindicações que afetem não as brasileiras, mas que afetem e transformem a vida das mulheres negras no mundo.  
 
Quais são os desafios enfrentados por você enquanto coordenadora e como você tem lidado com eles?  
A diferença dos idiomas é um fenômeno que dificulta o entendimento, os diálogos. Então, a superação da língua é fundamental. Outro desafio é captar recursos para que a Rede possa fortalecer cada país que está envolvido  – porque as lideranças das organizações são diferentes, as conquistas são diferentes, então é necessário recurso e investimento para fortalecer a luta e a organização das mulheres negras, e possibilitar que as mulheres negras forjem, nos seus territórios, a possibilidade de pensar um novo sistema político para Américas, para o Caribe e para mundo. O investimento possibilita que a gente apresente quais as estratégias e soluções queremos e temos para enfrentar a opressão, o capitalismo, o racismo e a violência contra as mulheres e a violência racial no geral. Do ponto de vista da língua ainda temos dificuldades, porque a gente tem muito trabalho e é preciso se aplicar no aprendizado da Língua Espanhola que é uma língua que facilita nossa conexão muito mais do que o Inglêsapesar de ele também ser importante. Temos incentivado as jovens brasileiras, que têm circulado em torno da Rede, para que se aprimorem no Espanhol para participar de forma mais efetiva, porque nós sentimos que existe uma dificuldade de compreensão da Língua Portuguesa na região e isso dificulta o avanço de algumas estratégias de luta na região.  
 
Quase 30 anos depois da criação da Rede e do primeiro encontro em Santo Domingo, 1992, quais avanços aconteceram e o que ainda precisa avançar na agenda das mulheres negras latinoamericanas e caribenhas?  
O encontro foi assertivo, a Rede tem razão e função de existir. Cada vez que a gente caminha, a gente tem estreitado as relações com mulheres de outros países. Ela é assertiva porque possibilitou que a gente pudesse estar cada vez mais afinadas. Hoje, existe um reconhecimento da existência de uma articulação dessa natureza – as pessoas não fazem mais nada no que diz respeito a essas mulheres sem nos convocar para debates e reflexões. Além disso, a Rede se estabelece como sujeita e se fortalece na incidência de 3 grandes Conferências: Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo 94; IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, Pequim 95; e III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, Durban 2001. Em Durban, tivemos um papel estratégico e fortalecedor das reinvindicações de enfrentamento ao racismo nas nossas regiões – as conquistas que saíram de Durban são um ganho da Rede. A Década Internacional de Afrodescendentes, com todas as fragilidades, também tem sido importante. Temos trocado muitas experiências no sentido de que quem tem mais expertises em determinadas áreas compartilha esse conhecimento com outros países. Um exemplo desses é o censo. Somos o país que mais avançou não no ponto de vista do censo, mas também de coleta de dados nas mais diversas áreas no que diz respeito à população negra e às mulheres negras. Influenciamos de forma significativa para que os países da região pudessem cobrar de seus países dados para ter um quadro real da população dessa região e de como podemos sanar os problemas de desigualdade; para que possamos falar de nós, falar sobre nós e da nossa situação – não basta um país só ter esses dados e informações. Temos um grande desafio que é convencer todos os organismos intergovernamentais e o próprio movimento feminista e social de que o enfrentamento ao racismo e ao sexismo é estruturante para o mundo seguro. Outro desafio diz respeito a como as declarações das Conferências passam a ser ferramentas concretas para a punição e a exigência para que os países cumpram os acordos feitos, porque senão, para nós, perde o sentido participar desses espaços. São processos desgastantes para que as questões de populações negras, indígenas e tradicionais sofram poucas alterações. Ainda precisamos avançar muito para um país 5050. Temos experiências muito similares e somos atravessadas por violências muito parecidas – dos latifúndios, agronegócio, transnacionais que destroem nossos territórios, violência dos próprios Estados. Que a Rede tenha vida longa e as novas gerações se apropriem da Rede, porque ela é uma ferramenta estratégica para a nossa luta coletiva para além dos nossos países, para além das nossas fronteiras – é uma luta internacional para que a gente conquiste direitos e equidade. Aproveito para parabenizar todas as corajosas, inquietas e insurgentes que pegaram como tarefa transformar o mundo.