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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Transferência de renda leva empoderamento e recomeço a venezuelanas refugiadas e migrantes no Brasil



07.05.2021


Por meio de programa conjunto da ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA, financiado pelo governo de Luxemburgo, apoio financeiro para mulheres é disponibilizado para incentivo ao empreendedorismo, suporte ao processo de interiorização e para suprir necessidades emergenciais a mulheres afetadas pela COVID-19 

 

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Yohatzi é uma das mulheres beneficiadas por apoio financeiro da ONU Mulheres em Roraima; ela também recebe mentoria e planeja abrir seu próprio negócio de artesanato (Foto: Arquivo pessoal)

 

Quando Mariana, de 36 anos, chegou a Belo Horizonte (MG) em janeiro de 2020, levava na bagagem a saudade do filho de oito anos, que havia deixado com a mãe em Roraima, e a esperança de encontrar um emprego formal, que pudesse lhe dar estabilidade e a possibilidade de ter o filho novamente sob o mesmo teto. Há três anos no Brasil, e já reunida com o filho e a mãe na nova cidade, ela lembra dos momentos de dificuldade financeira com a humildade de quem identifica oportunidade de crescimento em todas as fases da vida, e de quem reconhece o trabalho e a dedicação de toda a rede de apoio que a tem ajudado a recomeçar a vida longe da Venezuela, sua terra natal. 

Mariana foi uma das 19 venezuelanas apoiadas por ONU Mulheres no processo de mudança de Boa Vista para Belo Horizonte no início de 2020 – processo conhecido como interiorização, quando a população refugiada e migrante manifesta desejo de ir para outros estados, com apoio do Governo Federal e de organizações da resposta humanitária. Todas haviam participado de cursos preparatórios para ingressar no mercado formal de trabalho e também haviam recebido um apoio financeiro para auxiliá-las no processo de adaptação em Minas Gerais. A transferência de renda aconteceu por meio da ação emergencial de apoio financeiro (chamada CBI, da sigla em inglês para Cash Based Intervention), oferecida por ONU Mulheres por meio do programa conjunto Liderança, Empoderamento, Acesso e Proteção para mulheres migrantes, solicitantes de refúgio e refugiadas no Brasil (LEAP), conduzido em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com apoio do Governo de Luxemburgo. Com os R$ 740 recebidos, Mariana conseguiu garantir algum apoio ao filho no tempo em que permaneceram separados, além de conseguir se manter até conseguir um emprego na nova cidade. 

“Fomos interiorizadas sem emprego, mas com a possibilidade de conseguir melhores oportunidades. Ao terminar um curso de desenvolvimento profissional, a gente recebeu um dinheiro. A ONU Mulheres sabia que a gente ia ser interiorizada, então deram dinheiro pra gente ter nesse processo, para se locomover na cidade e para ajudar em caso de uma emergência”, lembra Mariana. “Esse dinheiro foi muito importante, porque me permitiu pagar o deslocamento para procurar emprego. Quando cheguei, arrumei emprego rápido, logo no final de janeiro. Mas tinha Carnaval em fevereiro e eu só comecei a trabalhar em março. Então, essa ajuda serviu para eu me manter nesse período e, o que sobrou, consegui enviar para minha mãe, para ajudar a manter meu filho enquanto não conseguia trazê-lo para morar comigo”, completa. 

O primeiro emprego formal de Mariana foi de atendente em uma loja. Depois de três meses de trabalho, e já com uma casa alugada, ela conseguiu levar a mãe e o filho para Belo Horizonte, por meio da interiorização por reunificação familiar. Com a pandemia, o comércio em que trabalhava fechou e ela precisou buscar outro emprego. Formada na Venezuela em Engenharia da Computação, ela não conseguiu revalidar o diploma, mas teve sua formação e sua experiência reconhecidas. Atualmente, Mariana trabalha em uma empresa de software, como analista comercial – uma oportunidade que une sua área de formação com a experiência de vendas adquirida no Brasil. 

“O curso de desenvolvimento profissional me ajudou muito nesse processo. Ele permite que a pessoa conheça quem é, saiba e projete o que realmente quer. Ele me ajudou a aproveitar minhas capacidades, meus talentos, minhas habilidades. E também me ajudou a saber como me apresentar em uma entrevista de emprego”, afirma Marina. “Eu aprendi no curso a elaborar o meu currículo, a destacar minhas experiências e apresentá-las de acordo com meu objetivo profissional. Eu não sabia disso, aprendi no curso. Então, meu propósito com o primeiro emprego era ter experiência na carteira, porque eu precisava ter uma referência. E com ele, pude ter qualificação e experiência. Tanto que quando fiz a entrevista para o emprego que estou hoje, o gerente de recursos humanos reconheceu que eu era a pessoa certa para a vaga, pela minha experiência e minha formação”, comemora.  

Treinamentos para independência financeira – Além do desenvolvimento profissional, o LEAP oferece a mulheres migrantes e refugiadas em Roraima, em parceria com o Senac, treinamentos específicos para áreas com maiores oportunidades de trabalho, como atendimento ao público e operação de caixa. E, para aquelas que já possuem alguma habilidade, oferece mentorias para o empreendedorismo. 

Aos 36 anos, Yohatzi é uma das alunas que iniciaram a mentoria para o empreendedorismo em março de 2021. No Brasil há três anos, ela tenta iniciar o próprio negócio enquanto encontra em empregos informais a renda para manter sozinha a si e a três filhos – de 13, 11 e 7 anos de idade. Por já ter alguma experiência com a produção e venda de artesanato, ela foi convidada por ONU Mulheres a receber mentorias no Senac e, assim, poder investir em seu próprio negócio. As aulas têm duração de três meses, período em que ela também receberá um auxílio financeiro mensal de R$ 740 para participar das mentorias e começar a investir em sua empresa. Ao final do curso, o programa irá subsidiar com o valor de R$ 2 mil, para que ela possa investir no pequeno negócio de artesanato.  

Para mim, é muito importante esse curso e esse incentivo financeiro, porque permitem que cada mulher que participa possa ser um pouco mais independente. Não podemos ficar esperando, porque as vagas de emprego são muito escassas. A maioria das pessoas está parada, as mulheres estão paradas, sem renda. Então esse curso chega para que cada mulher possa empreender, ter seu próprio negócio, possa usar sua criatividade e seguir adiante com sua família. E com o incentivo isso se torna possível mais rapidamente”, afirma Yohatzi.

“No dia 30 de março, foi a primeira mentoria que recebi para meu empreendimento. Gostei muito e me sinto muito bem por ter essa oportunidade, porque vou conseguir aprender mais e vou conseguir ir adiante com meu empreendimento. Estou em outro país, diferente do meu. Aqui as coisas são diferentes, as leis são diferentes, os documentos que necessitamos para abrir um negócio são outros. Então, com essas aulas, além de conhecer outras pessoas, vou aprendendo mais sobre empreendedorismo, para conseguir seguir com meus planos. Gosto muito da ideia de ser a minha própria chefe, de poder ser criativa, de poder mudar e me adaptar”, completa.

Desde o início do programa LEAP, em 2019, já são 46mulheres apoiadas pela ONU Mulheres com os CBIs voltados para empreendedorismo. Para a gerente de Empoderamento Econômico em Ação Humanitária da ONU Mulheres em Roraima, Flávia Muniz, o apoio financeiro se torna ainda mais necessário com a pandemia de COVID-19. 

“Desde o início do programa, oferecemos os CBIs para empreendedoras e para mulheres que optam pela interiorização para dar a elas um pouco mais de segurança nesse momento de mudança. De forma complementar ao auxílio financeiro, oferecemos cursos especialmente desenhados para as beneficiárias. São mulheres com grande potencial para recomeçar suas vidas e, indiretamente, beneficiar toda a sociedade em que vivem. Com a pandemia de COVID-19, esse apoio se torna mais necessário, já que muitas acabaram tendo a renda ainda mais comprometida pela crise financeira.  desenvolvemos um modelo de CBI voltado especificamente para atender às mulheres afetadas diretamente pela COVID-19 – seja financeiramente, seja fisicamente, com os impactos da doença sobre sua saúde”, explica Flávia.

Apoio em momento de extrema vulnerabilidadePara as ações de transferência de renda, o LEAP conta com a parceria com o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). Juntos, ONU Mulheres e IMDH lideram o Comitê de Transferência Monetária para Mulheres, que conta com a participação de diversas organizações da sociedade civil e tem o objetivo de identificar e acompanhar   as mulheres que possam ser atendidas com os CBIs nas três modalidades: para empreendedorismo, para refugiadas e migrantes que serão interiorizadas e para mulheres impactadas pela COVID-19. Em todas as modalidades cursos e treinamentos são oferecidos. . Para a assistente de Proteção do IMDH em Boa Vista, Beatriz Patrícia de Lima Level, é visível o impacto que esse investimento no conhecimento e na autonomia tem sobre a vida das mulheres refugiadas e migrantes.

“A gente consegue perceber como a transferência de renda aliada a um curso traz empoderamento e faz toda a diferença. Também é importante essa ação em rede – as informações que elas recebem nos cursos, o acompanhamento feito pela sociedade civil e o apoio financeiro de agências internacionais. É possível ver como esse encaminhamento e essas parcerias impactam positivamente a vida dessas mulheres, ajudando que elas desenvolvam uma atividade que gere renda para elas e, assim, deixam de estar dependentes de ajuda e possam também gerar frutos para a sua comunidade. Toda essa interação faz com que ela tenha autonomia e se empodere. E é muito gratificante ver que uma ajuda tão pequena faz tanta diferença e tenha tanto impacto”, explica.  

No momento de pandemia, Beatriz também ressalta a ajuda essencial que os CBIs estão levando a famílias que tiveram a situação de vulnerabilidade agravada. “A gente consegue ver no rosto das mulheres a expressão da diferença que essa ajuda traz, quando recebem o cheque e dizem que vão conseguir pagar aluguel, comprar remédio, comprar comida para a família. Embora não seja uma solução definitiva, pelo menos naquele momento ela vai conseguir dar um direcionamento para a situação dela”, afirma.

O valor recebido por mulheres afetadas pela COVID-19 é de R$ 700, uma quantidade pequena, mas que pode ser vital para muitas famílias. Assim como está sendo para Keisy. A venezuelana vive com o marido e o filho de 11 anos em Boa Vista. No início do ano, todos contraíram a COVID e até hoje sentem as sequelas da doença. Em março, ela recebeu o auxílio, que permitiu que ela pagasse algumas contas e também comprasse alimento para a família, que já não tinha mais o que comer. 

A COVID-19 impactou minha família, nos deixando sequelas. Desde que tive COVID, não há um dia que eu não sinta dor – dor de cabeça, nos ossos, e há vezes que a dor que sinto me dá febre. Meu esposo sente muita dor de cabeça e nos ossos. E meu filho, de 11 anos, que tem um transtorno generalizado de desenvolvimento, também pegou a doença e sente dores fortes todos os dias”, conta Keisy. Este apoio que a ONU Mulheres me deu está sendo muito bom porque, com essas sequelas, fica difícil para nós sairmos para trabalhar. Graças a essa ajuda, conseguimos comprar medicamentos, alimentos para meu filho e também investi parte do dinheiro para fazer dindin, que já vendi e consegui dinheiro para fazer mais e vender quando consigo sair novamente”, completa. 

Apoio da ONU às mulheres refugiadas, migrantes e solicitantes de refúgio – A ONU Mulheres tem atuado junto a mulheres e migrantes, refugiadas e solicitantes de refúgio a partir do programa Liderança, empoderamento, acesso e proteção para mulheres migrantes, solicitantes de refúgio e refugiadas no Brasil (LEAP). O programa é conduzido em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com financiamento do Governo de Luxemburgo. Assinado em 2018 e em implementação desde 2019, o programa tem como objetivo apoiar o governo brasileiro na resposta adequada às necessidades dessa população no Brasil.