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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

“Foi difícil chegar da Venezuela até aqui, mas as pessoas que fazem essa caminhada com a gente nos deixam mais seguras e felizes”, diz refugiada apoiada por projetos da ONU



12.03.2021


Há dois anos, Jhoselin Cordova deixou a Venezuela em busca de melhores condições de vida para ela e sua mãe. No Brasil, encontrou refúgio e apoio para se preparar para o mercado de trabalho e dar passos em direção de sua independência financeira. Hoje, aos 22 anos, com um lar estabelecido e um emprego estável em São Paulo, ela voltou a ter sonhos e a construir um futuro de possibilidades

 

 

“Foi difícil chegar da Venezuela até aqui, mas as pessoas que fazem essa caminhada com a gente nos deixam mais seguras e felizes”, diz refugiada apoiada por projetos da ONU/onu mulheres noticias mulheres refugiadas

Há dois anos, Jhoselin Cordova e a mãe, Carmen, vieram da Venezuela para o Brasil em busca de um recomeço
Foto: ONU Mulheres/Paola Bello

 

Cheguei ao Brasil há dois anos. A decisão de vir para o Brasil foi minha e da minha mãe. Não tinha emprego na Venezuela, não tinha comida, tudo era muito caro. Eu tinha 19 anos e foi difícil tomar essa decisão porque tínhamos família lá – meus avós, tios, primos. Mas a gente pensou mais no nosso futuro e decidimos sair do país. Nosso plano inicial não era o Brasil, mas as portas se abriram para cá. A gente chegou em uma situação muito difícil, sem dinheiro, precisamos vender muitas coisas de nossa casa para poder vir. Foi difícil, mas a gente conseguiu.

Logo que passamos pela fronteira, conseguimos fazer a nossa documentação, CPF, carteira de trabalho, para estar legalmente no Brasil. Passamos sete dias em Pacaraima, depois fomos para Boa Vista e moramos por quatro meses em um abrigo. Até que, um dia, quando estava no abrigo em Boa Vista, soube do projeto Empoderando Refugiadas. Fui convidada a participar. Havia várias instituições trabalhando nessa iniciativa para conseguir vaga de emprego para mulheres refugiadas – ONU Mulheres, ACNUR e Pacto Global, em parceria com o Instituto Lojas Renner. E eu aceitei o convite.

Éramos 15 mulheres nessa capacitação, passamos um mês em treinamento. O Empoderando Refugiadas foi uma coisa muito boa para gente. Quando você vem de outro país, passa por uma pressão muito grande. Eu conheci mulheres que passaram por coisas muito piores que eu, que tiveram que morar na rua, que passaram fome, que sofreram violência. E eu conheci cada uma delas. Para mim, que sou jovem, conhecer tudo o que elas passaram me ajudou muito a chegar até aqui. E nesse mês que passamos por essa capacitação, fomos preparadas para saber como é o trabalho no Brasil, como funciona, como é o movimento. Também falaram muito sobre nossos direitos como refugiadas, falaram sobre engajamento dos outros, sobre unidade entre os refugiados. Todas conseguimos emprego. Eu consegui em São Paulo, e outras conseguiram em outros lugares do Brasil.

Outro momento importante foi quando fui consultada para o planejamento das ações com migrantes, refugiadas e refugiados no Brasil. Telefonaram para mim e me perguntaram sobre as dificuldades. Relatei a dificuldade de aprender o idioma, a insegurança que vivemos como mulheres, o assédio, a dificuldade que passamos para alugar uma casa. Também relatei a dificuldade de conseguir validar o meu diploma de educação, porque o sistema de ensino é diferente. Fui ouvida com bastante atenção, e disseram que iam ter um pouco mais de empenho, iam olhar com mais atenção para isso. Eu já passei por tudo isso, todas essas dificuldades, e eu sei que não sou a única mulher que vai passar por isso também. Então é bom sempre terem isso como uma prioridade, para uma mulher se sentir mais segura.
Quando a gente vai para outro país, a gente sente muito medo. E quando vemos um pouco de cuidado, como o que tive no abrigo, no Empoderando Refugiadas e na minha chegada a São Paulo, a gente se sente mais confortável. Eu vim para São Paulo há um ano, e vim com um emprego garantido. A empresa sempre teve muito cuidado comigo, as instituições sempre foram muito cuidadosas. Eu já sabia que ia chegar aqui, ter um emprego, um lugar onde morar, ia ter comida por um tempo até eu me sentir mais segura para sair procurar um aluguel, comprar minhas coisas para a casa. Vim com minha mãe e moramos por três meses em uma casa abrigo. Isso ajudou muito, porque, como a gente não conhecia São Paulo, nesses três meses eu pude conhecer um pouco mais da cidade, me desenvolver mais no metrô, ônibus, e também procurar aluguel.

Hoje eu continuo trabalhando nas lojas Renner. Trabalho em um shopping, oito horas por dia. Tenho uma meta de estudar Direito, mas, por enquanto, vou estudar Administração, que é um curso a distância, que vou conseguir estudar a partir da minha casa quando não estou no trabalho. Na Venezuela, eu comecei a estudar Direito, fiz o primeiro semestre, mas como não tínhamos mais dinheiro para pagar os estudos, precisei parar. Agora eu me sinto muito mais capacitada para começar a faculdade, mais calma mentalmente.

No começo, quando você vem para outro país, você vem com muitas coisas na sua cabeça, muitos pensamentos negativos. Mas agora me sinto muito bem, muito mais feliz porque vou começar minha faculdade. E acho que vai ser bom também para o meu futuro, porque eu sei que não vou trabalhar sempre em um shopping. Minhas metas vão um pouco mais longe. Talvez eu tenha minha própria microempresa, talvez eu vá viajar para outro país. A gente não sabe o que pode acontecer, mas as minhas metas vão um pouco mais além do que o que vivo hoje.

A minha mãe e eu temos um bom relacionamento. Eu sempre tenho muito cuidado com ela, porque quando a gente veio para o Brasil, eu acabei tendo esse papel de mãe com ela. Eu já tinha estudado um pouco de português antes de vir, e ela até hoje não fala muito bem o idioma. Nossa relação mudou muito depois que viemos para cá. Na Venezuela, eu era muito rebelde, me achava independente por ter feito 18 anos. Mas essa mudança de país me fez ver o quanto ela precisa de mim, e isso fez com que nossa amizade aumentasse, como mãe e filha, como amigas.

Quando chegamos a São Paulo, apenas eu trabalhava, minha mãe, não. Como eu fazia meu trabalho certinho e nunca dei problema, ganhei a confiança do meu gerente na época. Então, ele disse que iria achar um emprego para minha mãe também. Ele procurou bastante e achou um emprego para ela na parte de limpeza, na empresa que trabalha junto com as Lojas Renner. Ela passou seis ou sete meses nessa empresa, mas acabamos procurando outro emprego, com horários que fossem menos cansativos para ela. Hoje ela trabalha na casa de uma família, que foi indicada por uma pessoa que conhecemos na casa abrigo. Essa família é maravilhosa, trata minha mãe muito bem, falam espanhol com ela, que ajuda bastante. Também foram eles que ajudaram a gente a conseguir o apartamento que a gente mora agora. Está tudo indo bem, graças a Deus.

Hoje, minha mãe e eu vivemos muito felizes aqui. Conseguimos mandar dinheiro pra Venezuela, ajudar nossa família que precisa. Temos trabalho, vivemos com segurança, temos uma casa onde a gente consegue ficar tranquila. Conhecemos pessoas, temos amigos, vivemos com pessoas que conhecemos há dois anos, quando chegamos, e isso aí faz a gente se sentir muito bem, muito mais seguras, muito mais felizes. Foi difícil chegar da Venezuela até aqui, mas as pessoas que fazem essa caminhada com a gente nos deixam mais seguras, e isso nos faz mais felizes.

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A jovem Jhoselin Cordova é refugiada venezuelana e vive no Brasil há dois anos. Em Roraima, estado que concentra o maior contingente de pessoas migrantes e refugiadas venezuelanas no país, ela participou do projeto Empoderando Refugiadas. A iniciativa conjunta da Rede Brasil do Pacto Global, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e ONU Mulheres promove a empregabilidade de mulheres em situação de refúgio. Jhoselin também participou ativamente da elaboração do Plano de Resposta a Refugiados e Migrantes 2021 (RMRP 2021), com a identificação de demandas e necessidades da população venezuelana no Brasil. A história de Jhosi se relaciona com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 em igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, o ODS 8, que objetiva a empregabilidade e o trabalho decente, e o SDG 16, que promove paz e segurança.

Apoio da ONU às mulheres refugiadas, migrantes e solicitantes de refúgio – A ONU Mulheres tem atuado junto a mulheres e migrantes, refugiadas e solicitantes de refúgio a partir do programa Liderança, empoderamento, acesso e proteção para mulheres migrantes, solicitantes de refúgio e refugiadas no Brasil (LEAP). O programa é conduzido em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com financiamento do Governo de Luxemburgo. Assinado em 2018 e em implementação desde 2019, o programa tem como objetivo apoiar o governo brasileiro na resposta adequada às necessidades dessa população no Brasil.