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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Trabalhadoras domésticas refugiadas e migrantes são protegidas por leis brasileiras, mas carecem de informação



27.04.2023


No Dia da Trabalhadora Doméstica, lembrado em 27 de abril, lideranças da categoria reforçam necessidade de aumento de fiscalização e de acesso a conhecimento sobre leis trabalhistas

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A coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, quer levar mais informação a trabalhadoras domésticas, inclusive as que estão no Brasil como refugiadas e migrantes (Foto: ONU Mulheres Brasil / Talita Carvalho)

Em todo o mundo, 67 milhões de pessoas são trabalhadoras domésticas, de acordo com a OIT. Dessa população, 80% são mulheres. No Brasil, as mulheres chegam a representar 92% de todas as pessoas que exercem essa profissão que, apesar de essencial para a economia, ainda é uma das que têm a remuneração mais baixa, com médias abaixo do salário médio pago no mercado de trabalho. Apesar de terem os direitos garantidos por lei desde 2015, estima-se que uma em cada quatro trabalhadoras domésticas não tenha a carteira assinada nem acesso a esses direitos – um total de mais de 4 milhões entre as 5,2 milhões de trabalhadoras domésticas em atividade no país, de acordo com estudo do Dieese elaborado com dados da PNAD contínua. A pesquisa ainda mostra que 65% das trabalhadoras domésticas brasileiras são negras, que tendem a receber, em média, 20% a menos do que as não negras. Nesse cenário de precariedade e falta de seguridade social, um grupo carrega uma camada a mais de vulnerabilidade: mulheres refugiadas e migrantes que recorrem aos trabalhos domésticos majoritariamente informais como fonte de renda.

 

De acordo com a coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, a contratação de mulheres de outros países para trabalhos domésticos não é algo novo nem exclusivo do Brasil. Ela lembra, por exemplo, que há cerca de 10 anos foram descobertos casos de filipinas que eram mantidas em condições análogas à de escravidão em São Paulo depois de aceitarem vir para o país para trabalhar como domésticas. “Quando elas chegavam ao Brasil, tinham o passaporte retido. Os patrões contratavam com a intenção também de que os filhos tivessem aulas de inglês de forma gratuita, já que a maioria falava inglês. E aí tivemos uma mistura de trabalho migrante com trabalho análogo à escravidão. Isso aconteceu depois também com as bolivianas, com as haitianas e agora acontece com as venezuelanas”, explica.

Proteção legal – Neste mês, a Emenda Constitucional nº 72, também chamada de PEC das Domésticas, completa 10 anos de criação. Mas foi somente dois anos depois, com a Lei Complementar 150, que trabalhadoras e trabalhadores domésticos tiveram regulamentados direitos como jornada de 44 horas semanais, adicional por trabalho noturno, FGTS, multa por dispensa sem justa causa, entre outros. Apesar de quase uma década de lei vigente, o Dieese estima que, das 6 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil, 4 milhões não contam com registro em carteira. E, no recorte de gênero, de todas as 3,8 milhões de mulheres negras que atuam como trabalhadoras domésticas, apenas 1,1 milhão contam com previdência social.

Os altos níveis de informalidade agravam também a baixa remuneração, estimada, em média, em R$ 930 mensais. Ainda segundo o Dieese, as trabalhadoras domésticas sem carteira assinada recebem cerca de 40% a menos que as que possuem vínculo formal de trabalho. A diferença paga a trabalhadoras negras chega a 20% a menos quando comparado com o valor pago a não negras. E embora não exista um levantamento feito por órgãos oficiais sobre o percentual ocupado por trabalhadoras domésticas migrantes e refugiadas, o dia a dia das lideranças da categoria aponta para uma realidade ainda mais dura, reforçada pelas barreiras linguísticas e da falta de acesso a informações.

“Muitas companheiras venezuelanas, por exemplo, atravessam a fronteira e acabam trabalhando com hora pra começar, mas não para terminar. A maioria absoluta não está formalizada”, alerta Luiza. “Os empregadores aproveitam o fato de elas não conhecerem as leis brasileiras e não entenderem o idioma. A Lei Complementar 150 protege também as trabalhadoras migrantes, mas como elas não têm esse conhecimento, elas se tornam presas fáceis.”

Ação conjunta para desafios comuns – Cientes dessa realidade e dos desafios para fazer valer os direitos das trabalhadoras domésticas refugiadas e migrantes no Brasil, a Febatrad e a ONU Mulheres assinaram, em 2022, uma parceria focada em levar informação e organização de classe a venezuelanas trabalhadoras domésticas. Com olhar específico para essas trabalhadoras que não gozam de proteção social alguma, a parceria irá priorizar a região Norte – em especial o estado de Roraima, principal porta de entrada da população venezuelana no país.

A primeira ação prevista dessa parceria é a escuta sobre as condições de trabalho e as principais demandas dessas trabalhadoras. “São coisas absurdas que a gente escuta sobre o que acontece. A gente precisa ouvir essas companheiras para apoiá-las no que for preciso para buscar seus direitos. Porque a luta por direitos e as conquistas que tivemos na categoria não podem ficar restritas apenas às trabalhadoras brasileiras. As refugiadas e migrantes também são cobertas pela lei, o que falta é informação”, ressalta Luiza.

A parceria acontece a partir do programa Moverse, implementado conjuntamente por ONU Mulheres, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo. Focado no empoderamento econômico de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil, em especial as venezuelanas, o Moverse encontra na ação conjunta com a Fenatrad um potencial para que os direitos dessas mulheres sejam respeitados e, consequentemente, elas alcancem a autonomia financeira, a integração socioeconômica no Brasil e condições dignas de vida e trabalho.

“Embora as mulheres venezuelanas refugiadas e migrantes que vivem atualmente no Brasil terem mais anos de estudo em comparação com os homens, elas ainda enfrentam mais dificuldade de ingressarem no mercado formal de trabalho. Muitas acabam recorrendo ao trabalho doméstico informal como um recurso emergencial para ter acesso a alguma renda. A falta de conhecimento sobre as leis brasileiras e sobre seus direitos são elementos que agravam os níveis de exploração pelos quais elas passam no mercado de trabalho. Por meio dessa parceria, queremos levar a experiência da Fenatrad na defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas também às refugiadas e migrantes”, destaca a gerente de projetos na ONU Mulheres e gerente do Moverse, Mariana Salvadori.

Entre as principais demandas apontadas pela Fenatrad para as trabalhadoras domésticas no Brasil atualmente estão o acesso aos direitos conquistados, a assinatura da carteira de trabalho, o respeito à jornada e a flexibilização da fiscalização. “Segundo a Constituição, a residência é inviolável, só se pode entrar com a permissão do dono. Mas isso não é levado em conta quando a residência se torna um local de trabalho para a trabalhadora doméstica, então, não existe a possibilidade de fiscalização”, explica Luiza. Ela também defende punições mais rígidas a empregadores e empregadoras flagrados com trabalhadoras em condições análogas à escravidão. “Muitos empregadores pedem um atestado de antecedentes criminais, mas a gente não pode exigir o contrário. Então, temos que exigir que a lei seja mais severa com quem não a cumpre.”

Modelo de organização e negociação – A forma de atuação pretendida por meio da parceria se baseia em grande parte na experiência da Fenatrad e do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (STDMSP). Atualmente, o sindicato da categoria na capital paulista dispõe de uma diretoria focada em pessoas migrantes e, todos os anos, realiza negociação coletiva com demandas das trabalhadoras.

Diana Soliz Soria de Garcia é diretora do Departamento Imigrante Indígena do STDMSP e se orgulha em ser a primeira migrante indígena sindicalizada do Brasil. Desde 2017, ela toma a frente em ações na capital paulista pela defesa e o acesso aos direitos garantidos em lei à população refugiada e migrante. “Fazemos reuniões, rodas de conversa, para trazer as mulheres para o sindicato. Com a Lei da Migração, não importa o status migratório da pessoa, todas têm os mesmos direitos, como qualquer trabalhadora doméstica no Brasil. Nós explicamos que elas falem com as patroas, que não fiquem caladas, que exijam seus direitos”, destaca.

Há seis anos, sempre no início do ano, o STDMSP realiza assembleia para levantar as demandas de suas trabalhadoras e trabalhadores. Elas são registradas e negociadas com o sindicato patronal, levando à Convenção Coletiva – que é lida conjuntamente no sindicato depois de aprovada. Todas as trabalhadoras e trabalhadores, independentemente da nacionalidade, participam desses momentos. Além disso, o sindicato promove o acesso à informação sobre os direitos garantidos em lei, assim como realiza a mediação de acordos.

“Quando as trabalhadoras chegam ao sindicato, elas já trazem a informação de como estão sendo tratadas no trabalho e se estão recebendo todos os seus direitos, como manda a lei. O que vemos é que a maioria dos patrões não está respeitando os direitos das trabalhadoras domésticas migrantes porque muitos acham que, pelo fato de serem migrantes ou refugiadas, elas não têm direitos no Brasil”, afirma Diana.

“As patroas acham que a trabalhadora doméstica não entende da lei e, assim, ficam na informalidade, escravizadas, e muitas trabalham por moradia ou por um prato de comida. Temos trabalhadoras migrantes de vários países – bolivianas, venezuelanas, peruanas, paraguaias, haitianas, angolanas, filipinas, chilenas, entre outras. Infelizmente, ainda há patroas que pensam que estamos na escravidão. Migrante não é escrava, não. A escravidão acabou faz muito tempo.”

 

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Diana Soliz Soria de Garcia está, desde 2017, à frente do Departamento Imigrante Indígena do STDMSP na defesa dos direitos das trabalhadoras vindas de outros países (Foto: Divulgação / Arquivo pessoal)

Histórico de parcerias – Há anos, a Fenatrad compartilha com ONU Mulheres informações e dados sobre as múltiplas formas de discriminação e desigualdades interseccionais enfrentadas pelas trabalhadoras domésticas. Os dados são utilizados para advocacy conjunto voltado para proteção dos direitos humanos, empoderamento econômico e reconhecimento do trabalho de cuidado nas políticas e legislação do Brasil.

Entre as ações conjuntas mais recentes esteve a campanha #TrabalhoEscravoDomesticoNuncaMais, implementada em 2021 e 2022. Também em 2022, a Fenatrad fez parte da delegação da ONU Mulheres Brasil para a XV Conferência Regional da Mulher, em Buenos Aires. A conferência, que teve como tema “A sociedade do cuidado: horizonte para uma recuperação sustentável com igualdade de gênero”, intensificou os diálogos na região acerca do trabalho de cuidado na América Latina, onde o trabalho doméstico possui um papel central.

Durante a pandemia, a ONU Mulheres e a Fenatrad atuaram para responder à emergência da pandemia de Covid-19, realizando a distribuição de cestas básicas e kits de higiene e limpeza a sindicatos filiados. E, anterior a isso, a ONU Mulheres apoiou o reforço da atuação digital da federação, com o lançamento de site institucional.

Sobre o Moverse – Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto MOVERSE – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil é implementado por ONU Mulheres, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), com o apoio do Governo de Luxemburgo. O objetivo geral do programa, com duração até dezembro de 2023, é garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda diretamente mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero.

Para receber mais informações sobre o Moverse e sobre a pauta da migração e refúgio de mulheres no Brasil, cadastre-se na newsletter do programa em http://eepurl.com/hWgjiL