Pesquisa aponta avanços e desafios da interiorização de pessoas venezuelanas no Brasil e reforça importância de políticas públicas com foco em gênero
29.07.2025
Relatório foi apresentado em oficina técnica em Brasília com representantes de 27 instituições públicas, sociedade civil e agências da ONU

A apresentação da pesquisa reuniu representantes do ACNUR, ONU Mulheres, UNFPA, das instituições realizadoras da pesquisa, de organizações da sociedade civil e servidoras e servidores do governo federal. Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco
Um novo relatório lançado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo, apresenta uma análise aprofundada da Estratégia de Interiorização de pessoas venezuelanas no Brasil. A pesquisa, intitulada “A Estratégia de Interiorização para Refugiadas, Refugiados e Migrantes da Venezuela no Brasil: construindo evidências para informar a formulação de políticas responsivas ao gênero“, foi apresentada nesta segunda-feira (07) a cerca de 50 representantes de 27 instituições, entre ministérios, universidades, organizações da sociedade civil e agências do Sistema ONU, durante uma oficina técnica realizada em Brasília.
Segundo a especialista de Empoderamento Econômico da ONU Mulheres, Flavia Muniz, a pesquisa reforça a importância de trabalhar com base em dados sólidos. “Quem são as pessoas deixadas para trás? Sem dados e evidências robustas não temos como saber. A partir de uma perspectiva de gênero, conseguimos evidenciar que, muitas vezes, são as mulheres que enfrentam maiores barreiras. São elas que são deixadas para trás. Com essas informações, é possível orientar ações e promover ajustes para que a Estratégia de Interiorização beneficie todas as pessoas de forma mais justa e inclusiva. Estamos comprometidas com a realização da quarta onda da pesquisa, com o olhar voltado para um futuro igualitário.”
Disparidades de gênero na interiorização – A pesquisa apresentada em Brasília é um dos resultados do Programa Conjunto Moverse, iniciativa do ACNUR, da ONU Mulheres e do UNFPA, com o apoio do Governo de Luxemburgo, e está em sua terceira edição. Para esta fase, o estudo entrevistou 1.054 pessoas interiorizadas entre março de 2020 e junho de 2023, e 361 pessoas abrigadas em Roraima, entre agosto e setembro de 2023. Os dados revelam que homens e mulheres participam do processo de interiorização de maneira desigual, destacando-se os seguintes pontos:
- As mulheres são minoria nas modalidades de interiorização ligadas à empregabilidade: representam apenas 30% das pessoas interiorizadas via Vaga de Emprego Sinalizada (VES).
- Já nas modalidades de reunificação familiar (53,6%) e reunião social (49%), elas são maioria ou têm participação equivalente à dos homens.
- No mercado de trabalho, as mulheres enfrentam maiores taxas de desemprego e recebem, em média, remuneração inferior aos homens. Elas também estão mais presentes entre os casos de subutilização da força de trabalho.
Compreensão do português ainda é barreira – Um dado preocupante diz respeito ao domínio da língua portuguesa: 35% das pessoas interiorizadas afirmam ter dificuldade ou nenhuma compreensão do idioma, índice que chega a 78% entre a população ainda abrigada em Roraima, sendo mais elevado entre as mulheres (44% delas não compreendem o português). A limitação no idioma compromete o acesso a serviços públicos e oportunidades de inserção profissional e social.
Alta escolaridade com baixa inclusão – O estudo mostra que a população venezuelana interiorizada tem, em média, escolaridade superior à da população brasileira. Mais da metade concluiu o ensino médio e cerca de 14% têm ensino superior completo. No entanto, essa qualificação não se traduz em maior inserção no mercado formal de trabalho, revelando barreiras estruturais, burocráticas e discriminatórias.
Outro dado relevante é o acesso à documentação: embora tenha melhorado nos últimos anos, o reconhecimento legal da condição de refúgio ou residência temporária ainda é um entrave para o acesso a direitos, incluindo em programas como o Cadastro Único (CadÚnico) e o Bolsa Família.
O Analista de Programa em População e Desenvolvimento do UNFPA, Pedro Cisalpino Pinheiro destaca que não só a produção, mas a análise desses dados são fundamentais para o desenvolvimento de políticas públicas. “O lançamento dessa pesquisa é um exemplo concreto de como podemos dar visibilidade à população que mais precisa e garantir que as políticas públicas sejam baseadas em evidências e incluam a todos.”
Gênero como eixo estruturante das políticas – A pesquisa adota uma abordagem interseccional, reconhecendo que as desigualdades de gênero, raça e classe impactam de forma desproporcional mulheres, meninas e pessoas LGBTQIAPN+ em situação de deslocamento forçado. O relatório reforça que a transversalização de gênero é essencial para garantir políticas públicas eficazes e justas, em consonância com os compromissos assumidos pelo Brasil na Agenda 2030 e na Lei de Migração (13.445/2017).
População venezuelana no Brasil – Recentes dados do Censo Demográfico, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, em 2022, venezuelanas e venezuelanos formavam o maior grupo estrangeiro no Brasil, totalizando 271,5 mil pessoas. Em 2010, o número era de 2,9 mil, o que aponta o crescimento acelerado.
Entre abril de 2018 e abril de 2024, mais de 132 mil pessoas venezuelanas foram interiorizadas voluntariamente, a partir da Operação Acolhida, para mais de 1.000 municípios, com destaque para os estados de Santa Catarina (22%), Paraná (18,4%), Rio Grande do Sul (16%) e São Paulo (11%).
O Oficial de Meios de Vida e Inclusão Econômica do ACNUR, Paulo Sérgio de Almeida, destacou que a pesquisa apoia a compreensão da efetividade de ações na resposta ao fluxo migratório no Brasil. “A Operação Acolhida é um exemplo de resposta humanitária que incorpora, desde o início, ações voltadas à inclusão por meio de registro, acesso à saúde, educação e emprego formal. No entanto, a pesquisa também confirma o que já apontávamos: as mulheres venezuelanas ainda enfrentam barreiras maiores e precisam de atenção específica.”
A pesquisa foi realizada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (CEDEPLAR) e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O relatório completo pode ser consultado em: www.onumulheres.org.br/pesquisa-moverse.

Participantes do evento contribuíram com análises sobre os resultados e apontamentos para a construção de uma nova onda da pesquisa. Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco
Por meio de grupos de trabalhos temáticos, foram analisados os dados apresentados pela terceira onda da pesquisa, além de elaboradas recomendações e sugestões para novos focos de investigação e aperfeiçoamento para uma nova fase de investigação, visando o aperfeiçoamento na formulação de políticas responsivas ao gênero, que alcancem a população refugiada e migrante no Brasil.
Sobre o Moverse – O Programa Conjunto Moverse é uma iniciativa implementada pela ONU Mulheres, pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo, parceiro das instituições há seis anos na implementação de projetos voltados à construção de políticas e estratégias que promovam o empoderamento econômico, a proteção e a liderança e participação política de mulheres refugiadas e migrantes que vivem no Brasil.
Em sua nova fase, iniciada em 2024, o programa amplia seu escopo para incluir mulheres refugiadas e migrantes de diversas nacionalidades, com o objetivo de oferecer apoio técnico ao governo federal no desenvolvimento de políticas públicas sensíveis aos direitos humanos e à igualdade de gênero, além de fortalecer as capacidades de mulheres e seus coletivos para uma participação efetiva nos processos de tomada de decisão.