• Português

A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

20 Anos da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU e a liderança das mulheres defensoras de direitos humanos para a construção da paz e da segurança



17.12.2020


Assista ao evento “Mulheres Construtoras de Paz na América Latina e no Caribe, 20 anos da Resolução 1325”

Assista aqui

 

Em 2000, o Conselho de Segurança das Nações Unidas assinou a Resolução 1325 sobre Mulheres, Paz a Segurança. A Resolução é uma ferramenta importante para combater as desigualdades entre homens e mulheres: ela reconhece que, em contextos violentos, as mulheres sofrem de maneiras específicas. Por isso, é fundamental que as respostas aos conflitos não só levem as necessidades das mulheres em consideração, como também incluam mulheres nas negociações, mediações e na prevenção dos conflitos armados.

A agenda iniciada com a Resolução 1325 foi sucedida por mais de 10 novas resoluções sobre este tema e é a mais traduzida do Conselho de Segurança, o que mostra a relevância do documento para toda a comunidade internacional.

As mulheres defensoras de Direitos Humanos já são agentes fundamentais na manutenção e na construção da paz e já ocupam – em seus territórios, à nível institucional e internacional – papéis importantes na prevenção e resolução de conflitos. O evento “Mulheres Construtoras de Paz na América Latina e no Caribe, 20 anos da Resolução 1325”, realizado pelo escritório regional da ONU Mulheres para América Latina e Caribe em 27 de outubro de 2020, com a contribuição do projeto Conectando Mulheres, Defendendo Direitos – uma parceria entre ONU Mulheres Brasil e União Europeia-, abriu espaço para que defensoras pudessem falar sobre suas experiências de construção de paz, bem como expor de que maneira enxergam a implementação da agenda na região e o que pode ser feito para evoluir neste sentido.

Desafios à implementação da Resolução 1325 – María-Noel Vaeza, diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe, ressaltou que apesar de avanços expressivos, como a recente conquista das mulheres chilenas com aprovação da paridade de gênero no processo da Constituente o progresso em torno da agenda mulheres, paz e segurança ainda tem sido lento, sobretudo pelos retrocessos dos direitos humanos, pelo aprofundamento das desigualdades e, ainda, pela alta mobilidade humana na região. E diante deste contexto, a participação e a liderança das mulheres construtoras de paz se faz ainda mais urgente: “Hoje, a agenda de mulheres paz e segurança tem mais vigência do que nunca – quantos conflitos sociais? Quantas desigualdades e discriminações podemos suportar? Os processos democráticos não estavam, mesmo antes da Covid, dando conta das demandas. Por isso, a agenda de paz e segurança coloca as mulheres como fundamentais na construção da paz pós-Covid e na recuperação econômica”.

Neste sentido, Sarah Douglas, chefe-adjunta de Paz e Segurança da ONU Mulheres, compartilhou algumas percepções sobre a agenda identificadas na concepção do relatório anual do Secretário-Geral da ONU. Segundo ela, os dados mostram que as mulheres seguem ausentes nas mesas de negociação de paz, os ataques às defensoras de direitos humanos estão aumentando e as mulheres seguem marginalizadas na tomada de decisão econômica.

Resolução no trabalho das Mulheres Defensoras de Direitos Humanos – Em toda América Latina e Caribe, são muitos os exemplos do impacto positivo da agenda no enfrentamento à violência e às violações de direitos que afetam as mulheres. América Romualdo, diretora da Associação de Mulheres pela Dignidade e a Vida Las Dignas de El Salvador, mencionou a influência positiva da Resolução 1325 nos processos e políticas internas dos países, dando respaldo às demandas de mulheres para os processos de superação de conflitos armados.

Em El Salvador, por exemplo, apesar dos fortes conflitos sociais o Estado leva em consideração prioritariamente a mortalidade masculina para mensurar o impacto da violência na sociedade, sem considerar de maneira igualmente relevante os impactos nas mulheres e nas crianças, muitas delas órfãs. Nesse contexto, a Resolução 1325 se coloca como uma aliada para que os Estados enxerguem e respondam às crises de maneira mais eficiente ao considerar a perspectiva dos direitos das mulheres.

Rosalina Tuyuc, fundadora da Coordenação Nacional de Vidas da Guatemala, também compartilhou a importância da Resolução para sua atuação: “Quando soubemos da Resolução 1325 nos deu muito ânimo porque em nosso trabalho, como mulheres maias, nunca tivemos oportunidades de acesso aos serviços sociais do Estado. Só conhecíamos a violência, a violência exacerbada contra as mulheres durante toda a guerra. A Resolução 1325 também veio a se transformar em um instrumento de luta política, de luta jurídica e de luta também moral e de incidência para as mulheres (…) A Resolução tem nos mostrado que nossas lutas não são individuais, são conectadas e são globais. Isso tem ajudado na interlocução com agentes do Estado. Sozinhas, não conseguiríamos os avanços que alcançamos.”

Angéla Ceron, diretora da Iniciativa Aliança de Mulheres Colombianas pela Paz da Colômbia, compartilhou a contribuição da Resolução 1325 no processo de resolução do conflito entre as FARC e o Estado colombiano, que culminou no Acordo de Paz: “4 meses depois da Audiência Pública nos deparamos com a Resolução 1325, que incentivava as mulheres à participação nesses espaços e pouco tempo depois decidimos, desde o movimento sindical, criar a Aliança de Mulheres pela Paz, com o objetivo principal de participar em todos os espaços de diálogo e negociação de conflito. Assim nasceu a Iniciativa, no contexto da Resolução 1325.”

Mesmo depois da assinatura do Acordo de Paz colombiano, a Resolução segue influenciando na agenda de segurança do país e na atuação da Aliança: “A Resolução nos dá 3 estratégias: prevenção, proteção e participação. Mas estando nesse contexto, nossa decisão estratégica foi colocar o fim à impunidade – o que também defende a Resolução 1325. E a partir da perspectiva de colocar fim à impunidade, nos dedicamos a documentar casos (de violações contra as mulheres) em mais de 70 municípios do país.”

O que significa paz e segurança para as mulheres? – Em sua fala, Juana Francis Bone, ativista afro equatoriana e defensora dos Direitos Humanos, ampliou a concepção de segurança, de modo que as perspectivas das mulheres e que incluam as mulheres sejam levadas em consideração nos esforços de construção e manutenção da paz: “Não falamos apenas de conflitos armados, mas também de segurança para os territórios. (…) Todas as mulheres do país reclamaram da falta de acesso à água potável em meio à pandemia: sejam mulheres locais ou migrantes. Como em uma emergência sanitária acesso à água não seja possível para as mulheres?”

Em toda a região, o racismo é elemento estruturante dos conflitos existentes, sendo necessário um compromisso ativo para enfrentá-lo. Para tal, é preciso priorizar o enfrentamento ao racismo e promover a voz das mulheres negras e indígenas. Sobre a importância das mulheres negras nesta agenda, Mônica Sacramento, Coordenadora de Projetos da Organização Criola, Brasil, afirmou a “centralidade e protagonismo da mulher na promoção da paz e na proposição de ações efetivas, de mediação de conflitos, de soluções criativas e generosas, carregadas de afeto – no sentido de mediar situações de promoção de não-paz e de não segurança em seus territórios. Seja pelo aspecto da denúncia, seja pelo aspecto da imposição e disputa de agendas em um contexto local, mas também em contextos ampliados: nacionais, transnacionais, afro diaspóricos.”

Na pandemia da Covid-19, as mulheres seguem sendo agentes fundamentais para garantir a estabilidade e a segurança nos territórios. Mavic Cabrebra, fundadora e diretora executiva da Aliança Global de Mulheres Construtoras de Paz, trouxe à conversa a atuação das defensoras durante a pandemia, mais especificamente a atuação das mulheres colombianas, com as quais a organização colabora desde 2011. Ela destacou a vanguarda assumida pelas mulheres no enfrentamento à crise, distribuindo máscaras, camisinhas, kits de higiene e de proteção, uma vez que a pandemia é uma ameaça à paz e são as mulheres as responsáveis por garantir a estabilidade nos territórios.

Apesar dos desafios para que a agenda da Resolução 1325 seja incorporada à prática, o instrumento de luta política segue relevante para a preservação dos direitos humanos em toda América Latina e Caribe. Incluir mulheres construtoras de paz na política não só contribui para uma sociedade mais justa e igualitária, mas também colabora diretamente para a consolidação das democracias e da cidadania das mulheres. Neste processo, as defensoras de direitos humanos são essenciais. Como destaca a colombiana Angéla Cerón “o mais satisfatório de todo esse processo e nesses 20 anos de trabalho foi ver (o processo de transformação pelo qual) as mulheres passaram: primeiro a se reconhecerem como vítimas, depois como mediadoras e hoje ajudam suas comunidades por estarem em espaços de decisão, como as mesas de vítimas e os conselhos de paz. As acompanhamos para transitar o caminho de vítima à cidadã sobrevivente em capacidade de reivindicar seus plenos direitos.”