• Português

A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Artigo de opinião sobre Gastos Militares, Igualdade de Gênero e a agenda de Mulheres, Paz e Segurança



29.04.2021


Artigo de opinião sobre Gastos Militares, Igualdade de Gênero e a agenda de Mulheres, Paz e
Segurança

Para um mundo mais seguro e resiliente, coloquemos as pessoas antes dos gastos militares descontrolados

Por: Sra. Izumi Nakamitsu, alta representante da ONU para Assuntos de Desarmamento, e Sra. Phumzile Mlambo-Ngucka, diretora executiva da ONU Mulheres

Para todas e todos nós, mas especialmente as mulheres, a pandemia é um lembrete de que as noções tradicionais de “segurança” que alimentam a indústria de armas não podem nos proteger dos perigos e desafios que enfrentamos rotineiramente.

Antes da pandemia, as mulheres já estavam sobre-representadas em setores econômicos vulneráveis e suportavam o fardo dos cuidados não remunerados e do trabalho doméstico. Quando a COVID-19 começou, as mulheres que compõem 70% da força de trabalho global de saúde se viram na linha de frente da resposta – mesmo com inúmeras outras mulheres perdendo seu sustento e assumindo maiores responsabilidades domésticas.

A pandemia colocará mais 47 milhões de mulheres e meninas na pobreza extrema. Os índices de violência praticada pelo parceiro íntimo – principalmente perpetrada por homens contra mulheres – dispararam, em uma terrível “pandemia invisível” de todas as formas de violência contra mulheres e meninas. Milhões de mulheres agora enfrentam maiores riscos de mutilação genital feminina, casamento infantil ou morte materna evitável.

Em suma, o vírus revelou que as divisões de gênero não apenas persistem, mas estão piorando, ameaçando décadas de progresso, especialmente se as mulheres continuarem a ser excluídas de moldar a resposta à pandemia.

A recuperação da pandemia deve significar o fortalecimento da segurança social e econômica das mulheres, inclusive por meio de maiores investimentos em saúde, educação e sistemas de proteção social que promovam a igualdade de gênero.

Mas a segurança e o bem-estar das pessoas comuns historicamente ficaram em segundo plano em relação a uma ideia mais restrita e militarizada de “segurança”, que ainda leva os tomadores e as tomadoras de decisão a gastar grandes quantias de dinheiro para construir arsenais transbordantes de armas. O secretário-geral das Nações Unidas pediu um cessar-fogo global no início da pandemia, mas a maioria das partes em conflito continuou lutando, e o comércio internacional de armas permaneceu tão ativo como em quase todos os pontos desde a Guerra Fria.

No entanto, todas essas armas não nos trouxeram mais perto da paz. Elas apenas semearam desconfiança, erodiram as relações entre os países e aumentaram as tensões globais.

Avançar exigirá abraçar uma visão mais ampla de segurança – que reduz a dependência de armamentos militares, considera a nossa humanidade comum e reconhece o empoderamento das mulheres como um motor crítico de paz e de desenvolvimento sustentável.

Essas ideias não são novas. Por exemplo, as Nações Unidas tornaram a redução dos orçamentos militares um objetivo central desde a sua fundação.

No entanto, a atenção ao problema diminuiu nas últimas décadas. Orçamentos militares inchados mantiveram os holofotes globais durante grande parte da Guerra Fria. Mas nos anos que se seguiram, relativamente poucos expressaram alarme, pois os gastos militares mais do que dobraram. Os gastos militares em 2020 atingiram US$ 1,981 bilhão, o que se traduz em aproximadamente 252 US$ por pessoa em um ano. Em comparação, apenas US$ 115,95 por pessoa foram gastos em ajuda bilateral em média em 2018, dos quais escassos 0,2% foram diretamente para organizações de direitos das mulheres – uma porcentagem que não mudou em uma década.

A pandemia nos ofereceu uma rara chance de “redefinir” nossa abordagem de segurança de uma forma que também avance a igualdade de gênero. Como duas lideranças das Nações Unidas que trabalham pelo desarmamento e pela igualdade de gênero, acreditamos que três coisas precisam acontecer.

Primeiro, devemos nos recusar a fugir de perguntas difíceis. Quem é protegida e tem segurança pela modernização ou expansão de armas, como bombas nucleares, que resultariam em uma catástrofe humana, com impacto desproporcional em mulheres e meninas, se usadas? Para acabar com nosso vício global em armas, os tomadores e as tomadoras de decisão precisam adotar uma abordagem de segurança mais centrada no ser humano, reconhecendo como os países buscaram o desarmamento durante séculos como uma forma de se proteger, cuidar uns dos outros e prevenir o sofrimento humano desnecessário. Isso exigirá vontade política e uma revitalização da diplomacia sobre o investimento em enormes forças armadas.

Em segundo lugar, as vozes que clamam pelo fim da militarização desenfreada precisam ser levadas a sério. Muitas organizações de mulheres têm lutado contra os gastos militares descontrolados por mais de um século, enquanto os movimentos feministas têm sido a chave para examinar criticamente se os investimentos de nossos governos no fortalecimento da segurança realmente tiveram o efeito oposto. Eles são parte de um impulso multigeracional e multissetorial para a mudança. Devemos ouvir essas mensagens em alto e bom som e criar condições para incluí-las na formulação de políticas.

Terceiro, precisamos de ações de nossos funcionários e funcionárias eleitas para parar de gastar tanto dinheiro em armas. Se, em vez disso, nossas lideranças priorizarem os investimentos em proteção social, como acesso igual a saúde e educação de qualidade para todos e todas, podem nos aproximar de alcançar as Metas Globais, incluindo a igualdade de gênero. Esses investimentos devem ser vistos pelo que são: adiantamentos para tornar nossas sociedades mais resilientes, iguais e seguras.

De 10 de abril a 17 de maio, marcaremos os décimos Dias Globais de Ação sobre Gastos Militares. Para aproveitar este momento, nossos governos devem se posicionar compartilhando compromissos concretos para começar a redirecionar recursos para um futuro mais pacífico e seguro que beneficie a todos e todas nós.

Este não é um ideal utópico, mas uma necessidade alcançável.