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Brasil

Creuza Maria Oliveira: Meninas são as grandes vítimas do trabalho doméstico análogo à escravidão



11.11.2022


Presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia e membra da diretoria da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza fez parte de grupo levado pela ONU Mulheres Brasil à XV Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe

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Sobrevivente de trabalho infantil, Creuza trabalha para livrar outras meninas da mesma experiência (Foto: Divulgação / Fenatrad)

Creuza Maria Oliveira é uma defensora dos direitos das trabalhadoras domésticas, categoria fundamental no grupo de profissões que movimentam a economia do cuidado. Há mais de 30 anos, ela se dedica na busca pela valorização do trabalho de cuidado, contribuindo para o fomento de políticas públicas e melhores oportunidades de estudo e emprego para as trabalhadoras domésticas. Presidenta de honra da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza foi uma menina que se viu obrigada a trabalhar antes mesmo de completar 10 anos de idade.

Filha de uma trabalhadora do lar e de um feirante, aos 65 anos Creuza ainda se recorda da série de acontecimentos que a levaram ao trabalho doméstico infantil. Com o falecimento do pai, a mãe de Creuza a deixou sob os cuidados da avó que, por problemas de saúde, a levou de volta para a mãe. Pouco tempo depois, a mãe de Creuza iniciou um novo casamento, cujo companheiro não concordava em compartilhar a criação dos filhos de outro homem. Assim, com apenas nove anos de idade, Creuza foi entregue a uma família que a tornou responsável pelo cuidado de uma criança e pelos serviços da casa.

“Eu era uma criança cuidando de outra criança. Eu só não cozinhava, mas precisava fazer todas as outras tarefas da casa. Para alcançar a pia e lavar a louça, eu precisava subir em um banquinho”, relembra Creuza. As pessoas que mantinham Creuza nessa condição, muitas vezes a submetiam a situações de violência física, verbal e psicológica. Sem ter escolhas ou abrigo, Creuza foi sendo levada por diferentes casas, sempre exercendo um papel que não deveria e no qual não queria estar. Somente na década de 1990 é que o Brasil começou a construir instrumentos legais específicos para combater o trabalho infantil.

Até os 20 anos de idade, Creuza trabalhava em troca de roupas usadas e comida. Foi por meio de um radinho de pilha que sua vida começou a mudar. Ouvindo uma entrevista, ela descobriu que um grupo de trabalhadoras domésticas se encontrava para debater melhores condições de trabalho. Entendendo que esse poderia ser o caminho para respostas de dúvidas que ela sempre teve, como “por que só trabalhadoras domésticas não folgam no domingo?”, Creuza resolveu ir. Mas para ela não bastava ir sozinha, então começou a mobilizar outras trabalhadoras para participarem dos encontros. Assim, sem perceber, nascia a sua história pela defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas. “A pessoa que deu aquela entrevista na rádio não sabe, mas ela mudou a minha vida”, conta Creuza.

Desde então, Creuza se dedica a transformar vidas. O empenho de mudar realidades ganhou o Brasil e o mundo. Enquanto presidenta da Fenatrad, Creuza atuou junto ao governo brasileiro para a implementação de políticas públicas voltadas para as trabalhadoras domésticas. Ela também integrou a comissão brasileira que contribuiu para a adoção da Convenção 189, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre o trabalho doméstico. “No Brasil, a categoria de trabalhadores e trabalhadoras domésticas é formada basicamente por mulheres, em sua maioria negras e de todas as idades. Nós precisamos de políticas públicas para essas mulheres”, reforça Creuza.

O trabalho análogo à escravidão vivido por boa parte da vida se tornou um dos principais temas de sua atuação como defensora dos direitos das trabalhadoras domésticas. Nessa caminhada, enquanto integrante da Fenatrad, Creuza já somou esforços com ONU Mulheres em diferentes momentos, o mais recente foi em 2021 e 2022, quando as instituições formaram parceria com a OIT, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) e a Articulação de Mulheres Brasileiras Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB-Rio) e Movimento Negro Unificado (MNU-RJ) em uma campanha com foco no combate ao trabalho doméstico análogo à escravidão.

“Não existe, por parte da sociedade, interesse de se combater vários tipos de violência. É necessário que haja políticas públicas para que nossas meninas, que são as grandes vítimas, não estejam no trabalho doméstico análogo à escravidão. São necessárias oportunidades de educação, de moradia, de emprego. Além disso, é preciso mudar a mentalidade. Criança não têm que trabalhar. Meninas não devem ser ensinadas apenas a estar em ambientes privados, elas também devem ser livres”, alerta Creuza.

Pela relevância na atuação como integrante do movimento das trabalhadoras domésticas brasileiras, Creuza participou do Fórum Feminista durante a XV Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe, realizada em Buenos Aires, de 7 a 11 de novembro. Ela fez parte do grupo levado pela ONU Mulheres Brasil ao evento, com o intuito de continuar contribuindo pela transformação da realidade e da defesa dos direitos das trabalhadoras de cuidado.