Frözan Sediqui: “Quando você não tem paz e liberdade, você entende os valores disso na sua vida”
20.06.2025
No Dia Mundial da Pessoa Refugiada, celebrado em 20 de junho, conheça a história da artesã afegã que esculpe sua história de liberdade e autonomia vivendo no Brasil.

Depois de sair do Afeganistão e passar pelo Irã, Frözan estabeleceu moradia no Brasil. Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco
Há cerca de dois anos, Frözan Sediqui chegou ao Brasil com algumas caixas de madeira entre suas bagagens. Para muitos, aqueles itens vazios poderiam representar apenas peso extra em meio a uma mudança de país, mas para ela significavam um recomeço.
Artesã e proprietária de uma galeria de arte em Cabul, capital do Afeganistão, Frözan deixou o país após a tomada de poder pelo Talibã. Desde então, a situação dos direitos das mulheres no Afeganistão se deteriorou drasticamente (Clique no link e acesse documento da ONU Mulheres sobre o cenário no país, em Inglês). 
Ao lado do marido e de um de seus irmãos, ela seguiu para o Irã, onde solicitaram vistos humanitários para viver no Brasil. A chegada foi em São Paulo, cidade onde a família não tinha conhecidos. Por semanas, eles se somaram a outras pessoas refugiadas que, sem terem para onde ir, aguardavam no aeroporto de Guarulhos até serem encaminhados para um abrigo.
Após alguns meses, a família conseguiu se alojar na capital do estado paulista onde, grávida, Frözan tentava realizar os acompanhamentos do pré-natal. “No dia em que chegamos ao hospital para saber se esperava um menino ou uma menina, o médico escreveu no celular que o nosso bebê não estava mais vivo”, lembra emocionada.
Para Flávia de Moura Muniz, Especialista em Empoderamento Econômico da ONU Mulheres Brasil, a trajetória de Frözan evidencia a importância de políticas públicas sensíveis às experiências das mulheres refugiadas e migrantes: “A Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, há trinta anos, já reconhecia que, sem acesso a serviços essenciais — como saúde, informação e oportunidades de participação política e econômica —, não há empoderamento possível. Garantir esses direitos é fundamental para que mulheres em contextos de refúgio e migração possam reconstruir suas vidas com dignidade, segurança e autonomia.”
As dificuldades de comunicação vividas no dia a dia se tornaram mais desafiadoras e doloridas naquela data. “Quando deixei o hospital, me matriculei em um curso de Português e venho aprendendo sempre mais”, conta a artesã que hoje tem na comunicação uma das suas ferramentas de trabalho.

Como empreendedora, a afegã mantém a tradição de produzir e vender uma arte típica de sua cidade. Foto: ONU Mulheres/Lali Mareco
Ao lado do marido, Frözan vende peças de madeira talhadas em feiras, exposições e pela internet. As peças carregam o simbolismo e a tradição da técnica afegã. “A arte sempre ajuda. Quando o Talibã chegou, eu comecei essa arte de gravar em madeira, e esquecia tudo sobre eles. Aqui no Brasil, quando eu perdi meu bebê, essa arte me ajudou de novo”, revela.
Direitos – Mesmo que ainda não tenha conseguido restabelecer as condições para ter novamente sua própria galeria, Frözan afirma que agora pode voltar a ter sonhos. “Quando você vive no Brasil, você vive de verdade. Não tem alguém que diga que você não pode fazer algo. Agora eu sonho que minha família possa vir para cá, que eu possa comprar uma casa, ficar no Brasil, e engravidar novamente”.
Antes de empreender, ainda no Afeganistão, Frözan havia se formado em Relações Internacionais. Desde que retomou o poder no país, em 2021, o Talibã implementou uma série de medidas que sistematicamente privaram as mulheres de seus direitos, incluindo o acesso a empregos, educação e espaços públicos.
Em novembro de 2024, com o apoio do Programa Conjunto Moverse, iniciativa da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), da ONU Mulheres e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), financiada pelo Governo de Luxemburgo, Frözan esteve na II Conferência sobre Migrações, Refúgio e Apatridia (Comigrar), em Brasília, evento em que são discutidas as principais demandas e prioridades para aperfeiçoamento das políticas públicas para essa população.
Ao participar do encontro como empreendedora, Frözan acompanhou os encaminhamentos dados pelas delegadas e delegados durante a Conferência. “Quando você não tem paz e liberdade, você entende os valores disso na sua vida”, reflete.
Sobre o Moverse – O Programa Conjunto Moverse é uma iniciativa implementada pela ONU Mulheres, pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo — parceiro das instituições há seis anos na implementação de projetos voltados à construção de políticas e estratégias que promovam o empoderamento econômico, a proteção e a liderança e participação política de mulheres refugiadas e migrantes que vivem no Brasil.
Entre 2021 e 2023, o programa teve como foco principal o empoderamento econômico, por meio da articulação com governos, empresas e instituições públicas e privadas para fortalecer os direitos econômicos e ampliar as oportunidades de desenvolvimento de mulheres venezuelanas refugiadas e migrantes. Em sua nova fase, iniciada em 2024, o programa amplia seu escopo para incluir mulheres refugiadas e migrantes de diversas nacionalidades, com o objetivo de oferecer apoio técnico ao governo federal no desenvolvimento de políticas públicas sensíveis aos direitos humanos e à igualdade de gênero, além de fortalecer as capacidades de mulheres e seus coletivos para uma participação efetiva nos processos de tomada de decisão.