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Brasil

“Não é só um monte de mulher morta de fome que coleta fruta, existe um trabalho relacionado à preservação do meio ambiente”, diz defensora de direitos humanos



22.12.2021


Patrícia Santos é catadora de mangaba de Barreira do Coqueiral, Sergipe, além de tecnóloga em Turismo e mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe (UFSE). Hoje, ela é presidenta da Associação das Catadoras e Catadores de Mangaba do Município de Barra dos Coqueiros (ACMBC), que atua em rede com a Associação de Catadoras de Manga e Indiaroba (ASCAMAI). Por meio do apoio da ONU Mulheres Brasil e da União Europeia, pelo projeto “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, a ASCAMAI executou, em 2021, o projeto “Defesa Territorial e Fortalecimento da Identidade Sociocultural das Mulheres Catadoras de Mangaba em Sergipe”, que impactou diretamente 76 mulheres.

 

“Não é só um monte de mulher morta de fome que coleta fruta, existe um trabalho relacionado à preservação do meio ambiente, diz defensora de direitos humanos/noticias defensoras de direitos humanos

Foto: Arquivo pessoal

 

Quem são as catadoras de mangaba? 

Ser catadora de mangaba se constitui em fazer uma diversidade de práticas que inclui a conservação das matas de restinga, dos campos ou áreas nativas de mangabeiras. Esse é o trabalho que a gente desenvolve enquanto movimento e enquanto Associação. A prática de extrativismo de mangaba existe há bastante tempo, mas foi só no início dos anos 2000, quando a Embrapa1 começou a fazer pesquisas sobre a árvore, que descobrimos que outras mulheres de outros municípios já faziam esse trabalho. Como a Embrapa percebeu que mulheres de vários municípios que tinham a mangaba como principal fonte de existência, organizou o primeiro encontro de mulheres catadoras. Esse encontro foi importante para nos reconhecermos e nos autodeclaramos catadoras. Descobrimos a importância do nosso trabalho: não é só um monte de mulher morta de fome que coleta fruta, existe um trabalho relacionado à preservação do meio ambiente; existe a relação entre a mulher e a árvore. Passamos muito tempo caladas, sem oportunidades de contar nossas histórias. Uma das frases do encontro foi “nós queremos ser ouvidas”. Queremos estar nos espaços. 

O que significa a defesa do direito ao território para as catadoras de mangaba e como o projeto apoiado pela ONU Mulheres e União Europeia contribuiu neste sentido? 

O nosso território não é um território constituído e demarcado, como é o caso de algumas comunidades quilombolas. Ele não é assegurado pela lei, então a gente busca outras maneiras pra assegurar. O território pra gente são as matas de restinga, por exemplo, porque lá existem as mangabeiras. Nossos territórios são também as áreas em que gente faz nossos encontros e atividades – as associações e, com a pandemia, a própria internet. Por isso, estamos em disputa constante, especialmente com grandes empreendimentos. Para chegar a determinados locais onde existem mangabeiras, por exemplo, precisamos pagar e às vezes temos passagem negada pelo setor privado. Existe o território que definimos como nosso,  mas não temos, de fato, direito a ele. 

Por meio do projeto aprendemos, por exemplo, que é possível criar uma unidade de preservação ambiental através de projeto de lei, não só decreto. Isso nos dá possibilidades e oportunidades. Estamos vendo quantos direitos pela constituição que a gente não tem acesso e como a gente pode acessar. Isso é incrível! 

Quais os principais desafios para o movimento de mulheres catadoras de mangaba enquanto defensoras dos direitos humanos? 

Hoje a gente paga pra catar mangaba, porque áreas de mangabeiras foram vendidas e comercializadas. A mangaba não tinha valor, quem deu valor como produto fomos nós, catadoras, e as pesquisas desenvolvidas. O período da pandemia foi muito difícil porque ela chegou aqui em plena safra da mangaba, estávamos organizadas para vender, mas fechou tudo. Muitas mulheres não conseguiram receber auxílio emergencial e estavam com medo da fome e da COVID. Foi quando começamos a buscar editais para existir e resistir à pandemia e aos outros problemas que a gente já vinha enfrentando, como a derrubada das mangabeiras e a proibição de acesso a determinadas áreas, porque tudo isso piorou com a pandemia. 

Como o projeto “Defesa Territorial e Fortalecimento da Identidade Sociocultural das Mulheres Catadoras de Mangaba em Sergipe”, apoiado pelo projeto “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, ONU Mulheres e União Europeia, contribuiu para a superação de desafios impostos pela pandemia da COVID-19? 

O projeto foi feito e executado pelas catadoras a partir das demandas existentes. Vimos que existia um problema para acessar a internet, por exemplo, e hoje tem mulheres com internet em casa aprendendo a usar novas ferramentas de comunicação. O projeto também possibilitou uma valorização do conhecimento e do trabalho envolvido na associação, porque passamos a ser remuneradas pelas oficinas e atividades que fazíamos de graça. Por isso, conseguimos permanecer no território, fazendo nossas práticas tradicionais extrativistas, mesmo com as dificuldades de comercializar nossos produtos, e manter as atividades da Associação. As nossas oficinas foram facilitadas por nós mesmas, catadoras, para outras catadoras. 

Como você percebe a liderança de mulheres nos movimentos extrativistas para a melhoria das condições de vida dos territórios e das comunidades? 

Quando a gente fortalece a economia ou garante que mulheres de comunidades tradicionais possam desenvolver suas práticas, a gente sabe que o marido, os filhos e filhas serão beneficiadas também. Estamos envolvendo várias famílias nas atividades de conservação das áreas de mangabeira, dos manguezais, dos ecossistemas de rio, praia e ar, para garantir território pra nós mulheres catadoras de mangaba.