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A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Brasil

Representante do povo Tembé, Jomara é uma das mulheres que apoiam a construção de um sistema municipal de cuidados em Belém



23.04.2023


Atualmente coordenadora adjunta da Coordenadoria Antiracista de Belém, Jomara Tembé é defensora do direito das mulheres indígenas e integra o comitê gestor do projeto Ver-o-Cuidado

Representante do povo Tembé, Jomara é uma das mulheres que apoiam a construção de um sistema municipal de cuidados em Belém/ver o cuidado noticias mulheres indigenas empoderamento economico

Jomara Tembé é a representação indígena na Coordenadoria Antirracista de Belém (PA) (Foto ONU Mulheres / Lali Mareco)

“Tu vai representar o nosso povo”. Ainda criança, Jomara Tembé ouvia o tio cacique falar sobre um futuro que ela não entendia. Ao lado da rede, ouvindo os ensinamentos dos mais velhos, essa frase se repetia enquanto o cacique dividia sua sabedoria com as crianças indígenas. Muitos anos se passaram e hoje Jomara atua como coordenadora adjunta da Coordenadoria Antirracista (Coant) da Prefeitura de Belém (PA). Agora, ela compreende que seu futuro estava traçado para ser a voz não só do seu povo, mas de pessoas indígenas que vivem ou estão de passagem na capital paraense. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 2.200 pessoas residentes em Belém se declararam indígenas.

Como coordenadora adjunta da Coant, Jomara é uma das mulheres que participam e representam o comitê gestor do projeto Ver-o-Cuidado, realizado em parceria por ONU Mulheres e Prefeitura de Belém. Financiado pela Open Society Foundations, o projeto tem como objetivo estabelecer um piloto de Sistema Municipal de Cuidados no município a partir do envolvimento da gestão municipal e também da sociedade civil. Sua participação no projeto é fundamental, pois assegura o olhar atento para as realidades e direitos de pessoas indígenas que migram para o contexto urbano e que acabam sofrendo com os apagamentos de suas necessidades e garantias culturais.

Enfrentamentos – Nascida na divisa dos estados do Pará e Maranhão, às margens do rio Gurupi, junto ao povo Tembé Tenetehara, Jomara se mudou para Icoaraci, distrito de Belém. A mudança aconteceu para ela e a família acompanharem o pai, que trabalhava como intérprete na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Vivendo próximo a um igarapé – curso d’água que corre perto de regiões de mata – ela conta não ter sentido a mudança até começar a frequentar a escola. “Ali já começou a exclusão. Por conta do meu fenótipo, eu já sofria racismo”, revela. Naquele tempo, ela lembra que o cotidiano vivido entre a família, de cuidado e atenção uns com os outros, trazia a segurança para enfrentar a nova realidade.

Com o passar dos anos, as palavras que os familiares diziam sobre os caminhos traçados para ela no futuro começaram a se tornar realidade. “Eu sempre fui cobrada pelo meu povo e pela minha liderança. Minha tia é uma capitoa, então ela sempre falava para eu sair daquela situação. Sempre tive incentivo da minha família, então eu comecei a me dedicar”, conta Jomara que classifica a figura de capitoa como uma cacique feminina.

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Jomara é defensora dos direitos e da cultura dos povos indígenas que vivem na capital paraense (Foto: ONU Mulheres / Lali Mareco)

Cidadania – A partir do envolvimento com o movimento de mulheres indígenas e associações de mulheres indígenas que trabalham com biojoias, Jomara começou atuar ativamente em prol dos direitos dessa população. Em 2021, seu papel como defensora culminou no convite para integrar a Coant. “Eu não estou aqui sozinha. Quando o convite surgiu, eu tive uma conversa com as minhas lideranças, com o meu cacique. Tive o aval deles para estar nessa coordenação”, conta ao lembrar que todos os seus passos estão ligados em defesa do seu povo e dos parentes – como se refere aos indígenas de outras etnias.

Na Coant, Jomara acompanha a transversalização dos programas liderados pela Prefeitura de Belém para assegurar a inclusão das pessoas indígenas nas políticas públicas, além de propor a construção de novas ações. Nesse sentido, Jomara entende que a implementação do projeto Ver-o-Cuidado vai beneficiar não somente na construção de sistema municipal de cuidados que pense, desde o início, população indígena, como capacitar e incluir mulheres indígenas que atuem nas mais diversas áreas profissionais.

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Como integrante do projeto Ver-o-Cuidado, Jomara apoia a construção de um sistema municipal de cuidados que assista as necessidades das mulheres indígenas (Foto: ONU Mulheres / Lali Mareco)

“É difícil, por exemplo, uma artesã indígena ter acesso a microcrédito como incentivo ao trabalho com biojoias, por conta de algumas exigências de garantias ou documentos que elas não têm. Por outro lado, é difícil assistir uma mulher que veio da aldeia dentro de um hospital que não leve em consideração a sua cultura. Hoje, a política que existe foi pensada para a pessoa branca, não foi voltada para a mulher indígena. Esse projeto dá a oportunidade de continuar o que já começamos, a fazer de outra forma”, avalia.

Considerando que, dentro da realidade de sua etnia, a responsabilidade sobre as tarefas de cuidado é compartilhada e exercida tanto pelas mulheres quanto pelos homens, Jomara entende que os principais ganhos do projeto são a inclusão das pessoas indígenas no contexto dos serviços públicos. “A pessoas indígenas precisam ser incluídas nos espaços. Elas precisam ter acesso às políticas públicas. Os hospitais precisam ter espaços de internação adequados para a realidade dessas pessoas, pois no contexto cultural indígena, às vezes a cura não está só na medicação, mas também nos espaços que são oferecidos durante o tratamento, como a possibilidade de haver atadores de rede, por exemplo”, explica.

03 – O projeto Ver-o-Cuidado é resultado de uma parceria entre ONU Mulheres, Prefeitura de Belém (PA) e Fundação Papa João XIII (Funpapa), financiado pela Open Society Foundations, que tem por objetivo estabelecer um piloto de Sistema Municipal de Cuidados no município. Iniciado em maio de 2022, o projeto é desenvolvido em duas frentes. A primeira tem como foco o apoio à gestão municipal e às instituições públicas na elaboração e implementação desse sistema de cuidado.

Paralelamente a essa construção, as atividades também alcançarão as trabalhadoras do cuidado, remuneradas ou não, atuando no desenvolvimento de suas capacidades nos aspectos pessoais e profissionais, para que acessem trabalho decente e autonomia econômica.  A iniciativa é conduzida por um comitê gestor do qual fazem parte 10 organizações, além da Coant: Fundação Papa João XIII (Funpapa), Secretaria Municipal de Administração da Prefeitura de Belém (Semad), Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec), Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), Banco do Povo de Belém, Coordenadoria da Mulher de Belém (Combel), Coordenação das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Copsan), Coordenadoria da Diversidade Sexual (CDS), Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Município de Belém (Iasb) e ONU Mulheres.